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A cultura influencer e seus efeitos na educação

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 28 de jan. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de mar. de 2021

A notícia contava que uma jovem influencer, com não mais de dezoito anos, gravou um vídeo em seu perfil do Instagram chorando e pedindo aos fãs que não a abandonassem. O pedido se referia a algum episódio que, ao ser exposto, revelou a dissonância entre aquilo que ela defendia em seu perfil e o que praticava fora dali, na vida cotidiana. A notícia dizia ainda que seu pai interviu junto aos fãs pedindo compreensão e que não julgassem sua filha, que estava arrependida.



A princípio, podemos ter algum estranhamento em conectar esta situação ao que acontece no mundo da educação, mas logo veremos que os impactos desse modo de se relacionar com os outros, mediado pelas redes sociais, tem produzido efeitos em nossas subjetividades e nos modos como elas se constituem.


Estamos produzindo uma geração atravessada pela cultura dos influencers que, talvez, não tenha percebido como, de maneira sutil, se tornou seu próprio produto.


Muitos filósofos e pensadores do século 20 anunciavam que o uso disseminado da internet derrubaria a divisão, arduamente construída durante toda a modernidade, entre os mundos público e privado. Isso ocorre porque, com a internet, todos somos produtores, receptores e mensageiros de conteúdo, de modo que até aquilo que convencionalmente entendíamos por notícia, passa a contar com novas acepções.


Os influencers são os grandes produtores de notícias da atualidade. Eles notificam, em tempo real e com algum profissionalismo, cenas de sua vida cotidiana. Notificam sobre as viagens que fizeram, o dia-a-dia com os filhos, as crises no casamento, as separações, as traições, os tratamentos de suas doenças, a decoração de Natal e daí por diante. Tudo é digno de nota e as notícias vendem.


O número de seguidores é outro dado impressionante e revelador: mostra que, se de um lado já não podemos pensar em termos de vida privada, de outro, criamos uma horda de espectadores pouco críticos e afoitos por acompanhar de perto essas notificações. A figura do seguidor faz parte do cenário. Ele vaia, aplaude, comenta, defende, comporta-se como amigo, mas quando se sente traído, cancela.


Por isso a jovem influencer chorava aos fãs. Arrependida por ter sido “descoberta” ao fazer diferente do que dizia, o que nos revela, em ato, que ninguém passa ileso ao processo de tornar-se o produto de si mesmo, nem influencers, nem seguidores - que aliás não constituem categorias estanques. É como se a vida de todos nós se tornasse, em escala, um grande Show de Truman e as novas gerações, expostas desde o nascimento à janela das redes, passassem a ter na tela de suas câmeras um amigo, um Outro, um quase confidente.


Quando a jovem influencer chora, pedindo aos fãs que não a abandonem, não se trata de um exagero. A sensação é mesmo a de perder-se, perder esse Outro fictício e ao mesmo tempo tão real, o público anônimo que lhe confere identidade e a sensação de pertencer.


A intervenção do pai é ainda um capítulo à parte. Mostra que a criança, agora crescida, foi autorizada desde os primórdios a frequentar a grande janela virtual que se abre ao mundo público, sem ser capaz, no entanto, de criar recursos próprios para lidar com as adversidades da vida. Assim, mantém-se na condição infantil, que atribui a uma instância exterior - o público - o seu próprio valor.


Se o pai não hesita em intervir junto aos seguidores em defesa da filha - como faria um advogado na cena do tribunal - não seria o caso de ter exercido algum tipo de regulação na relação que se estabeleceu, desde cedo, entre ela e o mundo virtual? Não seria essa a tarefa educativa que cabe aos pais exercerem junto a seus filhos?


O que vemos hoje, no entanto, é o inverso dessa equação: famílias incentivando crianças e jovens a manterem perfis e canais pessoais sem nenhum tipo de supervisão ou, o que é ainda mais complexo, fazer da família inteira uma grande atração ao público ávido por novidades.


Não se trata aqui de propor uma visão moralista do tema, mas de relembrar as responsabilidades que os mais velhos ainda têm em relação às novas gerações. Tornar-se um astro da própria vida pode até ser uma escolha de adultos emancipados, mas não de seus filhos que, desde cedo, são colocados na posição de receptáculo das expectativas do público - esta instância genérica e volátil - já que esses canais geram renda e são movidos por aderência e audiência.


No caso da jovem influencer, descobrir que sua conduta de vida ia além do personagem criado para agradar e angariar seguidores, foi um choque. E sabemos que a internet, essa espécie de Big Brother da vida contemporânea, não perdoa. Hoje em dia é ela que, com a preservação do anonimato e das manifestações de massa, atua como um grande tribunal, absolvendo ou condenando, elevando ou fazendo cair as personalidades da vez.


Que a internet é uma ferramenta poderosa e que pode ser uma aliada de múltiplas maneiras, ninguém pode negar. A questão é encontrar uma boa medida e aprender a utilizá-la para aquilo que convém. Como em tudo na vida, trata-se de uma questão de doses e de modos - modalidades de uso. Ao que tudo indica, estamos perdendo a mão.

Como e quanto seu uso torna-se interessante e produtivo? Quando e como instruir uma criança a respeito de seus recursos e riscos?


Estamos jogando cordeiros aos leões quando pensamos nos jovens que crescem fazendo das redes sociais seu espelho.


Por fim, nosso papel, como educadores, pode ser exercido de diversas maneiras, desde estabelecendo aos mais jovens claros limites de uso, até tomando o devido cuidado para não expô-los nas redes, ao modo influencer. Pois, sem perceber, essa lógica se espraia por todo o tecido social e logo torna-se uma prática difundida na vida de todos nós e, sim, isso é um problema.


Sem que percebamos, logo já não estamos apenas no lugar de consumir e seguir celebridades que fazem de suas vidas a principal atração, mas somos tomados pela vontade de fazer o mesmo, conosco, com nossos filhos, com nossas vidas. Prudência e atenção são cada vez mais necessárias: seguir o que vale a pena, consumir o que acrescenta. Cuidar para não reproduzir em nossas relações a lógica do espetáculo. Algumas consequências já chegaram, outras estão por vir.



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