A experimentação radical de Stanislaw Szukalski
- Marta Picchioni
- 5 de ago. de 2021
- 3 min de leitura
Em cartaz no Netflix, o documentário A vida e a Arte de Stanislaw Szukalski nos apresenta um panorama sobre a vida e a obra do artista polonês, a partir de seu encontro com um grupo de jovens estadunidenses atuantes na cena alternativa. No encontro entre diferentes gerações e culturas, o filme nos traz muito o que pensar.

Em um tempo em que a relevância de uma obra se mede pelo nível de exposição da imagem do artista - muitas vezes alçado à condição de celebridade - o documentário dirigido por Irek Dobrowolski, nos convoca a pensar sobre as relações entre reconhecimento e fracasso, vida e obra, além dos efeitos que o excesso de visibilidade pode produzir no campo da arte e da vida em geral.
Nascido em 1893, na Polônia, Stanislaw emigra para os Estados Unidos com a família aos 13 anos. Entre idas e vindas ao velho e novo mundo, algumas passagens da vida do artista chamam a atenção, como por exemplo sua crítica contumaz à formação escolar e acadêmica, no seu caso, iniciada na Academia de Belas Artes da Cracóvia.
É desde cedo que ele opta por percorrer um caminho desviante, buscando confrontar de muitas maneiras as convenções sociais. Ainda em idade escolar, Stanislaw inventa seu próprio alfabeto, um código paralelo ao convencional que utiliza para se comunicar até o fim de sua vida. Junto a esta primeira incursão, ele constrói modos de ser e pensar muito próprios, que vão desde a criação de teorias sobre o corpo e o surgimento da humanidade, até novas metodologias de ensino da arte, que abandonam o desenho clássico europeu, baseado na observação de modelos, para substituí-lo pelo desenho de memória. Para ele a arte não era um modo de representar o real, mas um modo de criar realidades, sendo a experimentação livre uma condição do processo inventivo.
Entre vida e obra, há passagens bastante controversas em sua biografia, como o nacionalismo extremo e a crença na pureza e superioridade, não apenas da nação polonesa, como em sua própria. Segundo ele mesmo diz, colocava Rodin e Michelangelo no bolso e andava em direção ao sol, afirmando-se, portanto, no rol das figuras controversas.
Não à toa, estabeleceu uma boa convivência com a juventude estadunidense da cena alternativa. O encontro acontece meio por acaso, quando um jovem morador de Los Angeles, chamado Glenn Bray, encontra em um sebo um livro com fotografias de suas esculturas e se surpreende ao descobrir que o artista, então com cerca de 80 anos, morava há poucos quilômetros de sua casa. O que seria uma visita pontual e inesperada, acabou transformando-se em uma intensa relação de amizade, e muito do que vemos no documentário deve-se às imagens captadas por Glenn, nas longas horas de conversa com seu improvável mentor.
As ideias e o impacto da arte de Stanislaw encontram ressonância naquele grupo de artistas, que fazia parte do movimento de lowbrow art, linguagem utilizada no universo das histórias em quadrinhos. Assistimos, então, a um bonito encontro entre gerações, movido pela curiosidade dos mais novos e por uma potência criadora indiscutível, sem espaço para concessões a um mundo regido pela lógica do consumo e do espetáculo.
Do princípio ao fim, Stanislaw aposta na radicalidade da experimentação , independente das circunstâncias, do sucesso ou do reconhecimento - que acaba por chegar postumamente, por meio do olhar de seus jovens admiradores.
Ao arcar com as consequências de suas polêmicas escolhas, não deixamos de nos perguntar: fosse nos dias de hoje, Stanislaw seria cancelado?
Vale a reflexão!
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