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A nova ordem é gamificar!

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 11 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de mar. de 2021

  • transforme o conteúdo em uma narrativa;

  • divida-o em fases a serem alcançadas passo a passo;

  • crie cenários com diferentes desafios e escolhas a serem feitas;

  • elabore tarefas ligadas à resolução de problemas;

  • permita que o aluno assuma um personagem e escolha que papel desempenhará no jogo, de acordo com seu perfil: competidor, socializador ou explorador.


Essas são cinco dicas, extraídas de uma publicação especializada em práticas de ensino, criadas para ajudar o professor a transpor a lógica dos games para a sala de aula. O intuito maior, parece, é tornar o aprendizado o mais prazeroso e divertido possível, para que o estudante sinta-se motivado e engajado àquilo que propõe a escola.


Há muito o que se pensar quando a escola se apropria de uma lógica dominante na cultura do entretenimento para dar uma roupagem mais atrativa às práticas que lhes cabe exercer, não necessariamente porque gamificar as práticas de ensino vá, de fato, reatar o elo supostamente perdido entre os fazeres propriamente escolares e o interesse dos estudantes, mas fundamentalmente pelo argumento que sustenta a implantação dessa modalidade didática.


Ao que tudo indica, trata-se da defesa de uma maneira de entreter o estudante diante de um desafio que, de outro modo, pareceria árduo, tedioso e de difícil enfrentamento. Nessa medida, nossa época tem sido mestra em encontrar panaceias para livrar a juventude de cada pedra ou dificuldade que, por ventura, venha a cruzar seu caminho.


Mas, afinal, não haverá obstáculos na vida que se desdobrarão para além da escola?


Usar jogos ou estratégias de superação como ferramenta de aprendizagem não é uma novidade nem um problema em si mesmo, desde que saibamos quando e onde utilizá-las e que tenhamos critérios claros para optar por este caminho.


Quando, no entanto, a gamificação se apresenta como uma diretriz para as práticas de ensino e se torna a “solução” para os males generalizados do desinteresse dos estudantes, penso que devemos nos preocupar. É como se criássemos uma nova cartilha cujo intuito maior é rebaixar a linguagem e facilitar o caminho, nem sempre suave, da aprendizagem.


Vem-me à mente uma famosa cartilha, muito utilizada para alfabetizar as crianças tempos atrás. Chamava-se, justamente, Caminho Suave, nome que remete ao esforço de pavimentar o processo, tornando-o plano o bastante para que o estudante aprenda facilmente, quase sem sentir.


A suavização do caminho, no entanto, não se dá sem efeitos colaterais. O mais conhecido deles é o da descontextualização, que faz com que se proponha um ensino ao modo vovô viu a uva, uma cena inédita e caricata, só mesmo possível quando se constrói toda uma situação fictícia para que o aprendizado ideal se desenrole sem percalços e contratempos - ou, no máximo, com obstáculos cuidadosamente planejados, como é próprio dos games.


Vale afirmar que a aprendizagem se situa em algum lugar entre o prazer e a intensidade das descobertas, sem que isso signifique tornar o aprendizado uma grande diversão. O ensino acontece em um contexto de complexidade que nem sempre será fácil. As aprendizagens são, acima de tudo, conquistas que, ao tomarem os contextos complexos como ponto de partida, requerem prática, esforço e comprometimento. Muito do prazer que tanto reivindicamos, tanto na vida como na escola, está justamente na possibilidade de nos sentirmos capazes de enfrentar e avançar no decorrer dessa trajetória, sem contar com artifícios nem subterfúgios.

As cinco dicas para gamificar os conteúdos de ensino inspiram-se claramente na lógica do videogame. Ocorre que, nesse registro, é prática comum entre crianças e jovens pular de fase quando as coisas ficam difíceis. Para pegar um atalho com sucesso, há diversas estratégias. Há até tutoriais no youtube que ensinam as artimanhas para passar ao próximo nível de forma rápida e muitas vezes trapaceira.


Ninguém duvida que aquele que investe seu tempo e energia em aprender como se pega um atalho, teria totais condições de investir por mais tempo no caminho proposto, o oficial. Para isso, é preciso prática e persistência, tempo e paciência, artigos cada vez mais raros para uma geração que funciona ao ritmo dos vídeos do tik tok e afins, além da atenção flutuante para se deter com mais calma em uma fase, assunto ou tema de estudo.


Entre a vontade de colher os louros e o enfrentamento da jornada, qual a boa medida?

É tarefa da escola procurá-la, encontrando algum ponto entre a lentidão e a velocidade, a superfície e a profundidade, a diversão e a entrega rigorosa.


Preocupa-me a defesa generalizada de uma escola cujo objetivo central é despertar o interesse em seus alunos por meio do uso de uma linguagem já tão bem explorada por eles em contextos de lazer.


Em se tratando de ensinar e aprender, o que está em pauta é sempre um encontro, uma via de mão dupla e um desejo que é também construído mediante desafios reais. Aprender é um desafio real, e por isso mesmo dispensa as facetas divertidas de um game, embora, em alguns casos, possa até se valer delas, desde que essa possibilidade não se torne a nova regra nem a última moda do fazer pedagógico.


É preciso olhar com mais cautela para as novas cartilhas que chegam à escola com roupagem moderna, apresentando-se como uma espécie de salvação ao panorama atual, mas operando, muitas vezes, por meio de um rebaixamento nas possibilidades de enfrentamento que crianças e jovens têm diante dos desafios reais que o processo de aprendizagem lhes apresenta.


Que os jogos tenham seu lugar nas práticas de ensino - como, aliás, sempre tiveram - como uma boa estratégia e a critério do professor, é uma coisa. Que caiamos na tentação de buscar soluções unívocas e totalizantes para antigas temáticas que nos assolam, de tempos em tempos, é bem outra. Esta última, convém evitar.




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© 2022 Marta Picchioni

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