A Reunião de pais e a dramaturgia dos bastidores escolares
- Marta Picchioni

- 23 de set. de 2021
- 4 min de leitura
Estes dias conversávamos entre amigas, todas educadoras, sobre um tema comum aos profissionais da educação: a reunião de pais. Aqueles que trabalham com educação escolar sabem que a reunião de pais é um momento bastante esperado. Por um lado, trata-se de uma oportunidade para contar e mostrar sobre o trabalho realizado com o grupo no decorrer de determinado período e, por outro, e como efeito do primeiro, trata-se também de uma espécie de momento avaliativo: afinal, os objetivos foram atingidos a contento e todos aprenderam conforme o esperado?

obra: Ana Teresa Barboza
Essa dupla face da reunião de pais - entre o mostrar e o avaliar - faz com que ela seja vivida como um momento de tensão para o qual, muitas vezes, opta-se por filtrar bem aquilo que será apresentado, sem deixar margens para revelar as eventuais derivas, as esperas, os erros ou mudanças de rota que, em todo caso, fazem parte do coração pulsante do que acontece numa sala de aula.
Ao apostar na escolha: embrulho para viagem, é claro, minimiza-se possíveis intercorrências e questionamentos das famílias, mas também deixamos de tocar e comunicar aquilo que no fazer educativo é o mais precioso: o processo.
É como se o que importasse, afinal de contas, fosse a comunicação objetiva de um resultado final de sucesso, a partir da escolha das melhores produções de cada estudante e contando com uma cuidadosa curadoria que, entre tudo o que se desenrola na dramaturgia da cena escolar, seleciona o que se pode ou não ser visto.
E então, como que num contraponto necessário, outra questão nos convoca a dar continuidade ao questionamento: acaso a reunião de pais é o melhor lugar para que os pais tenham acesso aos bastidores da cena escolar? Acaso os bastidores não seriam, justamente, o lugar privilegiado e reservado ao processo, um lugar protegido por uma cortina de invisibilidade que é o que justamente nos dá a tranquilidade necessária para experimentar e testar sem ter o compromisso de mostrar tais experimentações a ninguém?
Se assim for, logo se delineiam dois espaços atuantes e complementares à cena escolar: o palco e a coxia, reafirmado que nem tudo precisa ou deve ser revelado à plateia ávida por notícias fresquinhas.
A pandemia, ao que parece, nos ensinou um tanto sobre como a total transparência entre família e escola, pais e professores, pode acabar, em muitos casos, se tornando um problema. Ao sobrepor os universos escolar e doméstico, nublamos também a linha divisória que pode permitir às crianças e jovens que sejam outros e experimentem outros modos de ser e estar quando distantes da cena familiar e vice-versa.
Entre a transparência total - imperativo dos nossos tempos - e a preservação de um certo espaço de opacidade, que reserva aos professores e seus grupos um lugar de relativa imperceptibilidade, e de onde possam testar, perderem-se e encontrarem bons caminhos outra vez - sem terem de emitir enunciados constantes sobre o que ali se passa - investir neste último movimento parece ser fundamental.
Toda essa discussão certamente esbarra em uma ideia de como seria a relação de parceria entre escolas e famílias. Afinal, instaurar uma relação de parceria nos convoca a dividir - e anunciar - tudo o que acontece na vida das crianças sob responsabilidade de ambas as instituições? Trata-se de decidir tudo em conjunto e em comum acordo sempre ou, quem sabe, de poder apoiar os caminhos traçados de um lado e de outro?
Aqui, a vontade de saber que se põe a serviço de um certo desejo de controle, abre lugar para um tipo de relação que se configura como aliança de confiança que se pode constituir junto às instituições que caminham em paralelo, sem no entanto se sobrepor.
A pandemia foi uma ocasião importante de sobreposição de fronteiras que trouxe situações curiosas, nas quais muitas famílias, pela primeira vez, se deram conta de que, durante uma atividade, muitas outras coisas aconteciam além da proposta central, compondo um panorama bem realista de uma típica cena escolar.
No caso dos professores, também foi o momento de se dar conta que as crianças e os jovens têm uma vida para além do que supõem as escolas e suas múltiplas demandas. A realidade do ensino remoto em meio a pandemia acabou por contribuir para que os enxergássemos em seus contextos de vida reais e complexos, como singularidades povoadas de mundos que se atravessam e que, na maioria das vezes, nos escapam.
Já não se trata, portanto, de correr atrás do prejuízo, pretendendo sanar aprendizagens perdidas ou atrapalhadas, mas, justamente de dar-se conta que aprender é também assim: um processo cheio de ruídos, de interferências e de linhas de fuga. É com isso que contamos.
Posto isso, voltemos ao tema deste texto - a reunião de pais. Talvez, mais do encontrar um limiar certeiro entre o que mostrar e o que ocultar nesta ocasião tão especial, seja mais interessante que possamos sustentar as perguntas de como habitar e compor este espaço do modo mais interessante.
A resposta não precisa ser definitiva - aliás, é bom que não seja - mas, ainda assim, arrisco-me a dizer que quanto mais se entende a educação como um processo ativo, mais conseguimos suportar - no sentido de dar suporte - os caminhos e desvios de rota inerentes à aprendizagem. Como consequência, entenderemos o compartilhar desse processo com mais tranquilidade, e, ainda que se trate da entrega de um resultado ou produto almejado, é importante que tenhamos clareza de que as linhas de aprendizagem mais interessantes nem sempre podem ser vistas, comunicadas ou capturadas.
Que assim seja!






Comentários