Caiu na rede, é peixe: contrapontos necessários à geração tik tok
- Marta Picchioni
- 22 de jul. de 2021
- 3 min de leitura
Desde que o mundo é o nosso mundo, passamos a nos organizar em grupos e a compor alianças por meio de ações e linguagens. Desenvolvemos modos sofisticados para nos conectar uns aos outros, seja no tempo presente, seja na costura entre tempos.

imagem: rodrigo braga
Assim, aprendemos a contar e a registrar nossas histórias e a nos comunicar, não só pela fala, mas pelos gestos e por expressões sutis, que nos permitem interagir entre nós e com os seres de outros grupos e espécies.
Estar em redes e fazer delas um campo de acontecimento é, portanto, uma realidade muitíssimo anterior ao fenômeno contemporâneo das redes sociais. No entanto, o fato das redes do presente imprimirem uma marca virtualizada às nossas relações, tem trazido implicações importantes aos modos como nos conectamos e à qualidade destas conexões.
Tal como descreveu Zygmunt Bauman, o sociólogo polonês falecido em 2017, o uso crescente e disseminado das redes virtualizadas, em conjunto com outros fatores, atuou como um importante catalizador na passagem de um mundo sólido a outro, líquido e caracterizado pela fluidez e volatilidade com que estabelecemos laços sociais.
Tudo indica que a transposição em massa das conexões físicas às virtuais promovem encontros menos propensos à criação de alianças de longo prazo, na medida em que sustentadas por marcadores como: número de likes, seguidores, compartilhamentos ou exclusões.
O modo como passamos majoritariamente a nos conectar produz novas formas de linguagem e vice-versa: as novas linguagens também produzem novos modos de conexão. Assim, embora tomemos as redes virtualizadas como ponto de partida, falamos de nossas relações em geral, na medida em que nos constituímos neste campo de afecções.
Do Facebook ao Tik Tok, criam-se modos próprios de usar a linguagem, que circula em torno do tipo de assuntos e das referências compartilhadas, como também da produção de gírias, opiniões, modos de vestir, teclar, se apresentar e, por fim, de produzir pensamento.
O Facebook, por exemplo, já é considerada uma rede de “velhos”, já que faz uso, em boa medida, da linguagem escrita, os famosos textões, considerados pouco atraentes para as novas gerações. Estas, migraram facilmente para o Instagram, rede que privilegia o uso de imagens que, no mundo publicitário - e também no nosso - valem mais que mil palavras.
Chegamos então à mais recente delas, o Tik Tok. Sem dúvida, a preferida das crianças por privilegiar a produção de vídeos breves, com danças e performances supostamente engraçadas que mimetizam cenas da vida cotidiana. Os tik tokers são jovens que transpõem conteúdo à linguagem dos memes, fazendo de qualquer assunto uma ocasião para produção de riso.
Se as redes em que nos relacionamos constituem-se como um território fértil para a produção de pensamento, como já dizia Vygotsky, não soa alarmista concluir que estamos, a cada geração, desfertilizando o terreno que serve de base à emergência de pensares consistentes.
Assim, o investimento na constituição de linguagens plurais, ao invés de atuar enriquecendo o campo das possibilidades linguísticas, tem produzido o efeito reverso: o empobrecimento discursivo, na medida em que valoriza a reprodução de uma oralidade estereotipada, que se dissemina pelas redes, mas termina por invadir todas as esferas da vida.
Se remar contra a maré parece não ser um movimento dos mais produtivos, talvez devêssemos investir na tarefa de propor outros usos para as redes, não para fazer mais do mesmo, mas para complexificar o terreno, produzindo condições para a construção de um pensamento crítico - algo bastante mencionado, mas pouco praticado nos dias que correm.
No meio do fogo cruzado, a escola tem dado mostras de sua adesão à linguagem das redes, numa ação quase desesperada para captar a atenção de seus interlocutores. Sua tarefa, no entanto, é justamente a de sustentar o esforço necessário à construção da complexidade, oferecendo-se como contraponto às palavras de ordem, ao riso fácil e à linguagem imediatista dos games.
Como educadores, é preciso cultivar esforços para propor caminhos que nos permitam fazer uso do potencial das redes, sem nos contentar com o que elas nos oferecem - o que não significa desenvolver uma postura saudosista ou anti-redes.
Outra vez, o pensamento crítico será nosso aliado no ato de criar critérios para fazer boas escolhas, pois uma coisa é fazer uso das redes como ferramenta de leitura e produção de mundo e outra, bem diferente, é deixar-se enredar por ela, tornando-se mais um produto em circulação.
Neste jogo, oferecer-se como campo de criação de linguagem é tarefa fundamental. Literatura, filmografia, escrita, brincadeiras, desenho, arte, tecnologia. Criar uma rede transdisciplinar para que não nos contentemos em consumir ou produzir enlatados.
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