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Como adolescer em tempos de transparência e visibilidade?

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 20 de jun. de 2022
  • 3 min de leitura

“Frente ao phatos da transparência que domina a sociedade atual, seria necessário exercitar o phatos da distância. (...) A sociedade da transparência não tolera lapsos de informação nem lapsos visuais, mas o pensamento e a inspiração necessitam de um vazio”

Byung-Chul Han



Sorria, você está sendo filmado!


A frase que acompanha o emogi de uma carinha feliz, já não é necessária. Passamos a produzir e veicular nossas imagens nas redes sociais por conta própria e como um modo de nos relacionar com os outros e com o mundo. Mostrar tornou-se sinônimo de existir e a visibilidade passou a ser um valor.


Sorria, você está sendo filmado! era um aviso de que nossas imagens estavam sendo captadas, mas também um indicativo de que o sorriso era um importante passaporte quando o que está em jogo é a publicização de si.


Foi-se o tempo em que o olhar onisciente e onipresente de Deus modulava nossas vidas e orientava os caminhos. Hoje, caminhamos diante de uma multiplicidade de olhares difusos, a nos observar pelas ruas ou em nossos quartos, numa atitude de vigilância que ora se apresenta à paisana, ora de maneira explícita, ainda que travestida pelo discurso de segurança e proteção.


Numa sociedade que se afirma pelos valores de visibilidade e transparência, acertos e tropeços são documentados, printados, vazados e divulgados em tempo real, subtraindo o necessário intervalo entre aquilo que é da ordem da experiência e a produção imagética e discursiva sobre ela.


Como, então, adolescer sem esse tempo próprio, que garante lugar ao acontecimento e àquilo que é da ordem do invisível e do imperceptível? Como ter a tranquilidade necessária para se arriscar e mudar de ideia em tempos em que se toma o dito pelo feito?

Tais inquietações têm sido desdobradas pelo filósofo coreano Byung - Chul Han que propõe que pensemos o imperativo da transparência pela chave de uma lógica pornográfica, que agora não diz respeito apenas às práticas sexuais, já que coloca todo o tecido social no buraco na fechadura.


Na sociedade de extrema transparência, indeterminações e ambivalências têm sido pouco toleradas, disposição que tem se mostrado nefasta sobretudo na adolescência, onde a aceitação de si pelo olhar do grupo se acentua e a cultura do cancelamento equivale a de uma morte iminente.


Adolescer submetido a mecanismos de controle tão sofisticados tem subtraído dos jovens os espaços de deriva e de incerteza, vitais aos processos criativos e constitutivos de si. Trata-se de um sequestro. O sequestro dos riscos e da construção de autonomia, palavra onipresente em todos os discursos e documentos pedagógicos, porém, pouco sustentada na prática.


Como efeito, temos produzido, não de modo surpreendente, o aumento da vontade de se isolar, quase como um recurso de preservação da intimidade, do silêncio e do cultivo ao tempo próprio, antídotos necessários à demanda por performances “para ontem".


Na sociedade onde tudo se mostra, o controle logo se revela como a dupla face da pornografia, em um terreno nada fértil para a construção de caminhos singulares, o que requer a sustentação de lugares de autonomia que incluem a possibilidade de correr alguns riscos.


Se queremos ser aliados de nossos jovens no difícil processo de adolescer, é preciso apostar e dar sustentação à criação de recursos próprios para além das palavras de ordem. Isso inclui a possibilidade de falar, mas sobretudo de escutar o que têm a dizer sobre temas que consideramos difíceis, abrindo mão do tom professoral.


É preciso assumir: seguramente nós adultos temos pouquíssima ideia do que significa adolescer em tempos de transparência e vigilância, o que nos convoca a adotar muito mais uma postura de ouvinte do que aquela que assume para si o lugar do especialista.


Ativar a escuta e oferecer caminhos. Dar língua e linguagem para que se possa dizer o que é exaustivamente mostrado, mas pouco elaborado. Talvez assim sejamos capazes de ajudar os jovens a não se confundirem com a imagem que eles próprios projetam de si e a entender os tropeços como inerentes aos processos, todos eles.


Que sejamos capazes de não perpetuar nossos próprios atropelos e negligências: os tempos são outros e mais do que nunca é preciso disponibilidade e abertura para atualizar o software.



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© 2022 Marta Picchioni

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