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Educar para a paz?

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 21 de abr. de 2023
  • 3 min de leitura

Em tempos de cólera, permeados por discursos de ódio fomentados por práticas de vigilância e controle sobre os corpos, emerge, como suposta alternativa, uma educação orientada para uma cultura de paz.

O problema com essa ideia são no mínimo dois.



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imagem: Ishii Nobuo


Por um lado, a ideia de paz - como a de felicidade - flerta com ideais utópicos de harmonia e estabilidade, onde nossas forças pulsantes deixariam-se enquadrar em nome de uma certa atmosfera de plenitude e satisfação que, sabemos, passa longe das vidas que se constituem em relação de imanência.


A ideia de paz, portanto, é estranha a todo campo de forças, onde o que está em jogo são as relações diferenciais, e o desejável é que as forças ativas ou criadoras se imponham sobre as forças reativas de conservação.


Em outras palavras, na escola, como na vida, trata-se menos de fomentar uma cultura de paz, do que outra que afirme práticas de criação e efervescência, estas sempre fruto de um exercício de combate, já que neste campo nada está dado. Trata-se, então, de cultivar uma cultura da alegria e dos encontros, que muitas vezes desassossegam e geram incômodo, já que produzem diferenças.


A questão que então se coloca é: o que fazer com tudo isso? Os incômodos devem ser eliminados ou também eles fazem parte de um certo campo de composição?


No exercício do bom combate o que está em jogo são os processos de transmutação. É preciso aprender, portanto, o que outros seres já sabem por experimentação: para que uma semente possa emergir, é preciso que exerça uma força sob o solo, capaz de rompê-lo e de alterá-lo, na medida em que este a recebe. Como podemos perceber, toda mudança implica necessariamente na destruição da forma anterior, de modo que os processos de transmutação não são pacíficos e podem doer, mas é importante que possamos afirmá-los tendo em mente uma bússola ética, que sempre aponta em favor das vidas que pedem passagem.


Assim, é preciso entender o que se passa nas escolas e fora delas sob outras lentes, para muito além daquelas que miram as práticas de controle dos corpos e dos comportamentos e até mesmo das que partem em defesa de uma pacata cultura da paz.

Afinal, o que tem nos dito os jovens? Que conexões interessantes e pulsantes de vida temos sido capazes de lhes oferecer como alternativa ao que eles têm produzido em seus universos de afinidade?


Pois, simplesmente constatar que eles têm sido presas fáceis, aderindo rapidamente aos discursos de ódio disseminados pelo mundo virtual, parece ser a saída mais simples e também pouco eficaz. O caminho mais tortuoso nos convoca à uma necessária autocrítica. É preciso que também nos perguntemos que escola ou que caminhos temos lhes oferecido e se estão à altura de suas potencialidades ativas e criadoras.

Os estudantes estão aí, contando para quem se dispuser a ouvir sobre a falácia do NEM. Mostram que uma ideia ou intensão não se sustenta quando não leva em conta as forças do campo onde se materializará. Quando é que nos disporemos a realmente ouvir o que nos dizem os jovens para que possamos empreender com eles - e não para eles - um necessário processo de destruição para que vias mais interessantes de mundo possam se enunciar?

Nesse sentido é tarefa coletiva povoar a escola - como a própria vida - de outras culturas e práticas para além das intervenções disciplinares e de controle, e mesmo de uma cultura de paz que, no limite, revela seu desejo secreto pelo contentamento com o que está aí, na medida em que minimiza conflitos e dissonâncias em nome de um ideal de assepsia impossível de se sustentar.


Muito mais que harmonia, a escola pode ser lugar de vida que pulsa pela vontade de criar. E toda vida que cria põe em jogo certa dose de violência, na medida em que empreende a destruição de um estado fixo para que os movimentos pulsantes passem a circular.


No entanto, é preciso lembrar que um bom combate não precisa ser sangrento nem ceifador de vidas em acontecimento. Ao contrário, é ele quem abre espaço para que novos modos de vida encontrem passagem e coexistam, numa espécie de dissonância inclusiva. Trata-se portanto de fomentar um bom uso para nossas forças ativas, um uso distante da imobilidade pregada por uma cultura da paz.


O que nos interessa é alimentar a centelha do bom combate, por meio de uma cultura da alegria e da criação. Inventar e sustentar uma escola onde o desejo circule e onde estudantes e professores desejem estar. Uma escola que ofereça caminhos interessantes o suficiente para concorrer com o que alguns jovens parecem estar encontrando em outro lugar.



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© 2022 Marta Picchioni

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