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Educação na era do consumo: como separar o joio do trigo?

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 18 de nov. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 18 de nov. de 2021


Nunca foi fácil escolher uma escola para os filhos. Diante da profusão de ofertas educativas e do surgimento de novas instituições de ensino, tal tarefa torna-se ainda mais complexa. É que embora a quantidade ofertada possa, em um primeiro momento, fazer parecer que existem muitas alternativas, se observarmos com atenção, veremos que os discursos e as propostas oferecidas têm muito mais de semelhança do que de diferença.



imagem: Andy Warhol



Na era do consumo, não só escolher uma escola tornou-se um grande desafio, como dar prosseguimento ao processo educativo como um todo. Isso porque o consumo parte da lógica de que os clientes sempre têm razão e devem ser atendidos em seus desejos e necessidades, enquanto a lógica educativa, ao contrário, se compromete em apoiar os mais jovens na construção de critérios que os ajudem a distinguir entre desejos e demandas -sabendo de antemão que nem todos serão atendidos.


Quando pensamos na era do consumo, entendemos que todos nós - assim como as instituições de ensino - nos constituímos dentro dessa mesma lógica. Tal constatação, no entanto, não nos impede de olhar de maneira crítica a este modo de operar e de construir critérios para diferenciar entre práticas de ensino centradas nos processos dos estudantes e outras, centradas nas demandas de mercado.


É preciso estarmos atentos a este movimento que nos leva a projetos educativos radicalmente opostos, pois, se de um lado, para tarefa educativa o processo de aprendizagem e seus tempos próprios são prioridade, de outro, a lógica de consumo valoriza a competitividade e eficiência, tendo em vista a conquista de um tempo futuro - o que para a tarefa educativa é consequência e não finalidade.


Além disso, na era do consumo, muitas vezes as narrativas se sobrepõem às práticas, ainda que as primeiras não sejam garantia de que as segundas se desenvolvam a contento.

As redes sociais e sites institucionais, por exemplo, veiculam discursos e imagens que passam a povoar nosso imaginário do que devemos esperar de uma instituição de ensino, mas será que tais anúncios se traduzem em boas práticas?


Palavras-conceito, tais como: educação integral, aprendizagem significativa, espaço educador, metodologias ativas, pensamento crítico, entre outras, circulam por essas mídias livremente, mas será que se sustentam nas práticas do dia-a-dia escolar?

Embora seja importante comunicar o que hoje se discute no campo da educação, é preciso levar em consideração que tais discursos, por si só, dizem pouco a respeito do que e de como acontecem as práticas educativas levadas a cabo por cada instituição. Isso porque, embora apostemos muitas fichas no uso de termos chave, sabemos que eles não garantem nem retratam o modo como cada instituição cria e experimenta a construção de um currículo vivo e de fato comprometido com os fazeres diários de seus estudantes.


Peguemos como exemplo o uso da expressão “metodologias ativas”. Tais metodologias implicam necessariamente os fazeres de cada estudante como fator primordial dos processos de aprendizagem. Ao transformarmos tais metodologias em uma espécie de prescrição dirigida aos professores, corremos o risco de fazer com que se tornem um fazer meramente reprodutivo, uma espécie de cartilha que evidencia, contraditoriamente, o seu caráter passivo.


Este é um bom exemplo de como uma prática de ensino propagada deve ser experimentada e praticada por toda a comunidade educativa. Para sustentar metodologias ativas, portanto, é preciso apostar em toda uma rede criadora e inventiva, pois, do contrário, a palavra-conceito não se sustenta, terminando por cair em uma retórica esvaziada.


Quando, na era do consumo, as palavras propagadas valem mais que as práticas empreendidas, como diferenciar um projeto educativo que se comprometa com os processos criativos, para além das palavras de ordem?

Talvez, as pistas que procuramos possam vir de outros lugares que não daquilo que é dito explicitamente. Uma possibilidade é observar os usos do tempo, dos espaços e dos materiais utilizados. Uma escola que anuncia a criação como valor, dá o devido tempo para que pensares e pesquisas inéditas possam emergir - ou já tem todos os conteúdos do ano devidamente programados? Uma escola que se diz adepta das metodologias ativas faz uso de livros didáticos padronizados e lineares, com lições iguais para todos? Uma escola que valoriza a criatividade como princípio, sustenta que os professores desenvolvam com seus grupos percursos autônomos e singulares de aprendizagem?


São perguntas básicas que nos ajudam a perceber se há ressonância entre discursos e fazeres, já que sabemos que toda educação que se pretenda criadora e inventiva não pode prescindir das relações concretas que acontecem e se desdobram no chão da escola.


É ali, no fazer cotidiano, que novos dispositivos e caminhos serão inventados ao modo de um fazer cartográfico. Bem diferente da simples reprodução do que seria uma metodologia ativa, porém concebida e planejada por outros agentes, exteriores ao processo em questão.


Na era do consumo, temos atribuído às palavras-conceito um peso muito grande e, talvez seja importante rever este critério. A observação, as sensações, as experiências vividas no decorrer do processo educativo são ferramentas muito importantes e capazes de nos fornecer pistas preciosas sobre a natureza e qualidade de cada projeto educativo.


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