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Entre nós e o mundo, a pele

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 10 de fev. de 2022
  • 2 min de leitura

No mundo complexo e interligado em que vivemos, somos atravessados o tempo todo pelo que vem de fora, que nos afeta e nos constitui. No entanto, também nos constituímos como uma exterioridade para outros corpos, de modo que nossos movimentos impactam e produzem efeitos no amplo campo em que coexistimos.

Algo como o famoso efeito borboleta.


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imagem: Tetsuo Aoki



Como viver neste campo comum, sendo atravessado por forças que não controlamos sem sucumbir ao excesso e à pressão? Como nos locomover nesta superfície, nos compondo de maneira criativa com os acontecimentos, que à primeira vista só parecem produzir desestabilização e senso de estranhamento?

É importante lembrar que a pele, a linha divisória mais imediata e perceptível entre nós e o mundo, o dentro e o fora, é porosa e flexível. Ela se movimenta. Inspira e expira. Transpira e se compõe junto e a partir dos elementos do entorno.


A condição de viventes não só nos possibilita afetar e ser afetado pelo mundo, como nos obriga a isto. Não somos uma ilha e na medida em que produzimos movimento neste plano de encontros que nos é comum, o modificamos e nos intensificamos. Sendo assim, é importante que possamos aprender a dosar aquilo que entra e o que sai de nós, para não nos intoxicarmos, nem ao campo.


Que tipo de memórias queremos criar?

Nos tempos atuais, as mídias em geral têm funcionado como meio de difusão e propagação de vozes sobrepostas que se repetem, produzindo uma avalanche de ruídos que muitas vezes nos ensurdecem. Nesta arena, um acontecimento ressoa sem parar, e diferente do que acontece ao eco, que vai se diluindo à medida em que se repete, aqui o efeito é o oposto: o acontecimento se intensifica pela repetição, a ponto de ganhar materialidade em nossos corpos, agora dominados por afetos que os envenenam.


Ódio, ansiedade, desejo de vingança ou sensação de impotência são alguns dos modos como metabolizamos esses vetores, que já não conseguem sair de nós de maneira criativa, se não, entrando e ressoando na mesma frequência com que o recebemos.


Como então encontrar uma boa medida entre nos co-mover com aquilo que nos atravessa sem sermos dragados por esta força? Como permanecer sensíveis ao que nos toca, sem nos deixar indiferenciar pelo apelo que vem em massa?


É preciso, como a pele, aprender a filtrar. Não blindando-se ao que vem de fora, mas selecionando o que entra e como entra. Desenvolver um senso de ecologia frente às relações que criamos, deixando para o campo algo de inédito.

Eis aí um trabalho de vida e sobre a vida. Um trabalho sobre os corpos, que aprendem a existir com o que recebem transmutando-os em diferença. Tal trabalho leva tempo e demanda disponibilidade, na medida em que não requer de nós reações automáticas e reativas. É preciso criar maneiras de nos conectar com aquilo que nos afeta sem sucumbir a essas forças. O trabalho não é outro, senão sobre si.


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© 2022 Marta Picchioni

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