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Filhos diferentes, mesma escola ?

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 4 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura

Atualizado: 15 de mar. de 2021

Que as crianças são diferentes entre si e em relação a elas próprias, não há dúvidas. Isso acontece entre amigos, desconhecidos, irmãos, familiares e também em relação a ela mesma, em momentos do dia ou em fases de sua vida. Motivada por esta reflexão, uma amiga escreveu-me o seguinte questionamento: por que optamos por matricular filhos tão diferentes em uma mesma escola?



Por que privilegiar questões práticas ou logísticas, quando o que deveria estar no centro do debate é o atendimento às necessidades singulares de cada criança?


Fiquei matutando a questão por um tempo, olhando-a, torcendo-a, tentando apreendê-la por diferentes perspectivas. No fim, e tomando como ponto de partida a provocação da amiga, consegui formular melhor meu posicionamento.


Não acho que se trate de escolher escolas diferentes para filhos ou crianças também diferentes entre si - o seria uma redundância - mas de pensar, isso sim, em uma escola larga o bastante para receber, acolher e instigar a todas as crianças e jovens, partindo, justamente, de suas linhas de diferenciação.


Parece difícil, ela disse, ou, talvez, uma utopia, mas o fato é que a Escola, como uma instituição educativa destinada à formação dos mais jovens, não deve operar por nichos de especialidade ou perfis previamente mapeados, como propõe a cultura do marketing.


Trata-se do exato oposto: educar é uma tarefa que se destina a todos e, ainda que seja árdua e sem garantias - posto que sempre haverá algo que escapa - para ser relativamente bem sucedida, precisa operar com e pela diferença, sem a intenção de tirá-la de cena ou de formatá-la, mas tão somente de afirmá-la enquanto tal.

Na esteira contra argumentativa, circula um velho discurso, embora ainda recorrente, que insiste em qualificar as escolas como “fortes” ou “fracas” - estas últimas, indicadas para crianças com desempenho acadêmico mediano ou para aquelas que apresentam algum tipo de dificuldade de aprendizagem e que, por algum motivo, não seguem o ritmo padrão.


A questão que se coloca, no entanto, é de outra ordem: em educação não há ritmo único nem forma padrão. O que há é o investimento em situações e oportunidades para que todos avancem, levando em conta suas singularidades e pontos de partida.


Pensar em termos de uma escola forte ou fraca traz à cena uma concepção bastante fragmentada de educação, em que a força estaria associada ao trabalho intensivo com os conteúdos conceituais, ao desempenho em provas e ao sucesso mensurado por aprovação nos vestibulares, ao passo que a fraqueza relacionaria-se ao investimento em metodologias cooperativas, que privilegiam atividades em grupo e indicadores avaliativos que não consideram apenas as notas, mas também o interesse e o engajamento nos projetos coletivos.


O mais interessante neste modo de conceber o ensino é que, se fizermos uma análise do atual panorama e das profundas transformações pelas quais passa o mundo e, mais especificamente, o mundo do trabalho - um dos indicadores que boa parte das escolas costuma citar para dar legitimidade a seus fazeres - veremos que a valorização dos conteúdos conceituais, quando dissociados de todos os outros, já não se sustenta.


Na atualidade, o que se espera do perfil de um jovem egresso é que saiba se relacionar com as diferenças, criar soluções criativas para um mesmo tipo de situação problema, trabalhar cooperativamente e por projetos, engajar-se com os desafios de seu contexto mais próximo, seja o doméstico, o escolar, o do trabalho ou de sua comunidade e daí por diante. Tudo indica, então, que a tal da força mudou de lugar.


Há uma virada conceitual em curso que nos sinaliza que passar no vestibular, por si só, já não garante grandes coisas a ninguém e que o conhecimento torna-se tanto mais válido, quanto mais se articula ao contexto em que é produzido, beneficiando-o.


A crise epidêmica em que o mundo se encontra fala disso. Não basta um país ou um estado estar “na frente” dos outros ou achar que basta fazer a sua parte, se uma horda de seres humanos está excluída do acesso ao básico, seja em termos de saúde, educação, moradia ou emprego. A busca individualista pelos primeiros lugares, seja na escola, seja no mundo do trabalho, tem feito cada vez menos sentido se considerarmos o contexto geral.


Sendo assim, volto à questão inicial. Não precisamos de escolas especializadas em um ou outro tipo de criança, como se isso existisse. O que precisamos é de uma escola larga o bastante para fazer caber todas elas, pois, será justamente neste encontro que uns e outros poderão se deslocar de seus lugares e construir uma visão de mundo cada vez mais abrangente.


Uma escola que seja instigante o suficiente, não oferece uma exata medida de mesmo para todos. Há muitas maneiras de se promover um tipo de ensino que investe sistematicamente em boas e diversificadas práticas, onde as diferenças não se qualificam em termos valorativos, mas apenas como um fato que nos torna interessantes e que nos faz aprender uns com os outros.


É preciso superar a cultura que tende a hierarquizar saberes, funções e contribuições que cada um pode dar exatamente por aquilo que o torna peculiar. Que as famílias entendam que a diferença entre seus filhos está posta e que isto não é motivo para valorizar um em detrimento do outro. Que as escolas abram mão de sua ilusão de controle, de cartilhas padronizadas e aprendam a lidar com uma oferta de ensino vasta, que possibilite aprendizagem em diferentes ritmos e modalidades.


É importante afirmar que não se trata de uma utopia, mas de uma virada conceitual e um modo de fazer. É uma mudança de perspectiva. Trata-se também de entender que a diferença, por paradoxal que seja, é justo aquilo que temos em comum, e portanto, tentar suprimi-la, além de uma tarefa fadada ao fracasso, só pode nos empobrecer.





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