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Hikikomori: o quarto e o medo da vida

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 22 de nov. de 2022
  • 3 min de leitura

A ideia de que a vida é dura demais, árdua e pesada não é de todo nova. Ela já aparecia nos movimentos românticos do século 19, onde os ideais individualistas e a valorização das expressões subjetivas ganhavam o espaço antes ocupado pelo pensamento iluminista que valorizava a objetividade e a razão. Nos tempos que correm, a ideia de que a vida é um peso grande demais para ser suportado volta a ganhar espaço.


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A diferença, agora, é que além desta ideia circular entre pessoas muito jovens, de quem esperaríamos ouvir sobre o ímpeto de viver e sobre a coragem um tanto inconsequente de se lançar ao novo sem equipamento de segurança; a perspectiva de que o amor traria algum tipo de redenção não aparece no horizonte.


As juventudes, de algum modo, foram sempre transviadas no sentido de serem elas as porta-vozes dos desejos inéditos de quebrar paradigmas e instaurar no campo existente uma tensão capaz de gerar diferenças. As juventudes sempre nos mostraram que um novo mundo é possível porque nós mesmos seremos capazes de inventá-lo, o que nos garante a ruptura necessária para dar continuidade ao laço geracional.


E, no entanto, é de uma certa juventude que temos ouvido sobre a sensação de peso, cansaço e sobre a vontade de desistir. Ao que parece, a vida tem sido tão árdua e enfadonha que o melhor talvez seja ficar parado. Na imobilidade dos gestos e do pensamento, faz-se o mínimo necessário, sobrevive-se, subvive-se, suporta-se.

Eis que, ainda que às avessas, a saga transgeracional de toda juventude acaba por se cumprir, e um novo modo de vida é criado. Os Hikikomori surgem no Japão como uma resposta a este sentimento de que vivemos sob um grande e extensivo cansaço. No esgotamento de uma era onde as perspectivas de futuro aparecem ofuscadas sob uma densa neblina, as atividades triviais da vida se reduzem ao mínimo necessário.


A vida passa a se restringir ao perímetro do próprio quarto, onde este tudo-essencial acontece. É no quarto onde se come, se joga, às vezes, se trabalha, se estuda, se convive, além de ser o lugar de dormir. Paradoxalmente, no quarto vive-se uma existência protegida da vida que acontece do lado de fora, uma vida que amedronta por seu alto grau de incerteza e imprevisibilidade.


Aos que existem no quarto, uma série de medos estão em jogo. Há o medo do futuro, do desconhecido, do incerto, do inconstante, do erro e da frustração. Trata-se de um medo genérico e difuso, que se dissemina por todos os campos da vida fortalecendo a sensação de que esta já não vale a pena. Mas, já que estamos por aqui, é preciso existir, e a grande bolha protetora e autosuficiente do quarto, acaba por tornar a tarefa quase suportável.


A ilusão de que, no quarto, o mundo se basta, cria uma falsa sensação de autonomia. Como se atualizássemos a experiência de viver em um grande útero tecnológico, onde nada nos faltaria, exceto a própria vida.


De fato, tanto o quarto como útero são capazes de suprir nossas necessidades por certo período de tempo, que mesmo que nos pareça infinito, tem data certa para acabar. É quando nascemos para o mundo e teremos de dar conta da vida por conta própria. Comer, respirar, nos comunicar, sentir. É o lado de fora, nos chamando a alçar outros voos.


A juventude que reencontra no quarto o ninho acolhedor que um dia a abrigou, deve agora juntar forças para mais uma vez imergir em direção ao lado de fora. Se há medo do desconhecido, há também desejo de conhecimento. Se há medo do imponderável, é sempre possível convertê-lo em vontade de aventura.



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© 2022 Marta Picchioni

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