Janeiro da guerra e da paz
- Marta Picchioni

- 13 de jan. de 2023
- 2 min de leitura
Um novo ano desponta no horizonte. O processo de seu nascimento foi árduo, longo, por vezes dolorosamente semelhante ao eterno retorno do mesmo. Até que, depois da contagem regressiva, o ano coroa, se anunciando como tempo de passagem para novas criações.

É assim que janeiro emerge sob as barbas de Cronos, fazendo homenagem a Janus, o deus romano que rege as passagens e as transições. Neste despontar, Janus cuida para que os novos inícios encontrem bom solo e caminhos abertos para prosperar.
Este é também o deus da duplicidade, com um rosto virado para frente e outro para trás. É a dupla face que lhe permite guardar a passagem, acessando passado e futuro, a um só tempo. O deus dos inícios opera por duplicidade e oposição, regendo tanto a guerra, como a paz, as manifestações do bem e do mal.
Mas notemos: o fato de Janus ser composto por polaridades não lhe permite optar por uma ou por outra via, como se pudesse extirpar uma parte de si. Sua dupla face deve ser afirmada em totalidade, reconhecendo no mesmo corpo a existência de forças complexas e ambivalentes, que precisarão ser trabalhadas para que aprendam a coexistir.
Com Janus aprendemos, de largada, que o bom combate não é aquele que se estabelece contra os inimigos de fora, mas sim aquele que atua no limiar entre forças, uma linha sempre cambiante, que contorna os pólos e segrega no deus, e em todos nós, os duplos.
Teremos, então, mais onze meses pela frente, para habitar tais fronteiras, alargando linhas de passagens que, por vezes, se oferecem muito mais à manutenção estanque das polaridades domesticadas em seus devidos lugares, do que a produção de diferenças como efeitos inéditos desse tipo de encontro, sempre sob tensão.
O que nos interessa, portanto, é investir na possibilidade de transmutar as categorias morais que dividem o mundo em “bem e mal”, para abrir campo à complexidade dos encontros. Sejam eles bons ou maus, será a partir desse embate que novas linhas de composição poderão ser criadas.
Foi dada a largada: da posição de combate do bem contra o mal - que circula sempre fora - à coragem de afirmar a composição caótica das forças que nos constituem. Misto de médico e monstro, Dr. Jekyll e Mr. Hyde, aqui já não basta portar bandeiras de soul da paz, mas reconhecer com que tipo de guerra gozamos.
Trata-se de um enfrentamento inadiável entre as forças ativas e reativas que guerreiam em nós, forças dispostas a reconhecer seu duplo, implicando-se no combate que, antes de se dirigir ao outro, deve acontecer por dentro.






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