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Lamb - o senhor é meu pastor e nada me faltará

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 24 de fev. de 2023
  • 2 min de leitura

Um casal de pastores e a paisagem desértica da Islândia. O branco da neve quase se mistura à pelagem das ovelhas, não fosse o fato de estarem protegidas do frio e bem alimentadas. Vamos nos ambientando à hostilidade do clima, confortados pela certeza de que os dóceis animais seguem fortes e perseveram, sob a guarda do casal de pastores e o olhar atento de seu cão.




Eis que um dia, entre um manejo e outro, sabemos, pelo olhar assustado do casal, que o nascimento da mais nova ovelha não aconteceu conforme o esperado. A pequena criatura é, então, retirada do grupo e passa a ser cuidada pela dupla de humanos, em sua casa, como fariam se fosse um bebê.


Não tardamos a saber que não se trata de uma ovelha comum, mas de um híbrido, misto de humano e bicho. A questão é que os humanos, ao tomarem-na para si, não se contentam com nada que escape à sua imagem e semelhança. Trata-se de reconhecer na criatura sua própria humanidade, talvez meio perdida no decorrer das intempéries da vida.


Pouco importa a evidência de que a nova habitante tenha nascido das entranhas de uma ovelha-mãe e porte tais marcas no próprio corpo. A mãe humana fará de tudo para apagar qualquer vestígio de sua ancestral animalidade, provocada pela insistência da mãe-bicho em reaver sua cria.


A fábrica de rostidade logo entra em ação: roupas sob medida e bons modos à mesa como os primeiros mecanismos a destacar e diferenciar a recém chegada do resto do rebanho. Sob o nome de Ada - questão que o filme trata de explorar com mais profundidade do que farei aqui - a criatura tornada criança deve negar seus instintos mais primitivos, como o gosto por feno, para fazer-se passar por uma humana típica qualquer.


O filme toca em uma multiplicidade de questões que podem ser vistas e ditas sob muitas perspectivas, passando pelo corpo e pela linguagem. Podemos ver ali racismos e colonialismos, atravessados pela ideia de filiação e pelas violências implícitas e explícitas em toda composição que se pretenda familiar. Tudo isso atualizado pela tênue e tensa relação que se estabelece e segrega seres humanos e os das outras espécies, escancarando de um só vez distintas relações de força e poder.


Afinal, somos levados a apostar que a condição de híbrido é determinante para que possamos nos desvencilhar de qualquer tipo de rebanho, seja o de ovelhas, seja o da humanidade.


Afinal, quem é que precisa de um bom pastor?


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© 2022 Marta Picchioni

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