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Literatura infantil ou historinha de criança?

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 3 de dez. de 2020
  • 3 min de leitura

Atualizado: 15 de mar. de 2021

Ainda é corrente a ideia de que tudo aquilo que se refere ao universo infantil deva circular em forma de diminutivo.

Às criancinhas, muitas vezes, oferecemos uma escolinha, uma musiquinha e, como extensão, também uma historinha.



É assim que elas passam a ser destinatárias de algo sempre menor, algo que não as considera em toda sua inteireza e capacidade de compreender o mundo complexo em que vivemos todos, adultos e crianças.


Se entendermos a infância e as crianças, não como entidades unívocas e uniformes, mas como presenças múltiplas e singulares, perceberemos que não cabe tratá-las de modo genérico, como se compusessem uma presença totalizante. Nos relacionamos com crianças plurais, com características e histórias de vida distintas, que vivem e pensam sobre o mundo em que existem e que precisam ser consideradas em toda sua complexidade.


Para as crianças, entendidas como presenças singulares e únicas, o tratamento no diminutivo, como uma tentativa de ajustar o mundo a seu tamanho, apequenando-o, não serve. Para essas crianças, não há uma musiquinha ou uma historinha, há literatura. E das boas!


Oferecer às crianças boa literatura significa apresentar-lhes enredos de qualidade, que não se furtam em abordar temáticas humanas universais, tais como a vida e a morte, as dores e os amores, as amizades, a alegria, a tristeza, as virtudes e também os sentimentos considerados negativos, como o ódio, a inveja, a cobiça, a avareza.


As crianças, cada uma delas, vivem em um mundo tão complexo quanto o nosso e cheio de ambiguidades. É preciso treinar os músculos, convocar os afetos, saber reconhecer o que se passa. Furtar-se de nomear esse mundo, de conversar de modo franco e transparente sobre o que nos atravessa, e também a elas, é minimizar sua capacidade de ser afetada e de afetar, de compreender - ainda que não tenham todas as ferramentas que a linguagem oferece para nomear aquilo que, em todo caso, já se faz presença.

A boa literatura infantil fala e emociona a todos nós. Nesta abordagem, a criança é considerada em toda sua capacidade de entendimento e não há tema proibido nem higienização da linguagem que se justifique. Para essa criança, não cabe uma narrativa chapada e linear, que não se dê ao trabalho de povoar alturas e subsolos, estes que, bem sabemos, compõe a beleza e as nuances da experiência humana, desde sempre.


Considerar a criança e a infância com respeito e dignidade, implica em oferecer-lhes narrativas inteligentes e à altura do que elas podem. E se, porventura, quem não puder com todas essas camadas de mundo formos nós, os adultos - o que frequentemente acontece - é preciso que saibamos nos exercitar também nesta direção. Ler bons livros literários para as crianças e para nós mesmos, pode nos ajudar a promover e a sustentar o deslocamento das certezas em nós. Promover e sustentar o alargamento de nossos horizontes, admitindo, inclusive, a existência de polaridades insolúveis em nós. A isso chamamos humanidade.


Também aos adultos é preciso que pratiquem o exercício de lidar com o mundo em toda a sua complexidade, ao invés da vã tentativa de torná-lo mais palatável e “feliz”, tendo em vista uma criança imaginária, idealizada e pouco condizente com as crianças reais. Tal esforço, termina por produzir um rebaixamento da linguagem ao que se considera que seja “adequado” ao universo infantil.


Nada disso! As crianças podem muito mais! Elas apreendem o que se passa e, nesse sentido, devemos apoiá-las no desenvolvimento de recursos próprios para se relacionar com o que está posto. A literatura é uma grande aliada neste processo, assim como todas as formas de arte.


Às crianças, um mundo à altura, composto por boas escolas, boa músicas e boa literatura.


Às crianças de todas as idades, só o nosso melhor!


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© 2022 Marta Picchioni

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