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Mais além do diagnóstico

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 19 de mai. de 2023
  • 2 min de leitura

De depressão à hipocondria, de ansiedade às disforias, chegamos ao tempo em que a maioria de nós tem um diagnóstico para chamar de seu. O nome-diagnóstico parece chegar praticamente junto ao nome de batismo, compondo aquilo que aprendemos a chamar de eu.





Mas o que está em jogo quando o diagnóstico toma parte importante do que seria nossa identidade, e mais: o que está em jogo quando passamos a desejar um diagnóstico que nomeie parte de nossas intensidades?


Não precisamos fazer grandes esforços, para nos darmos conta de que muitos traços que tempos atrás eram considerados comuns à experiência humana, passaram a ser vistos como transtornos. O próprio nome: transtorno, tornou-se artifício para agrupar sob um mesmo espectro, uma vasta possibilidade de manifestações da experiência, fazendo com que qualquer um de nós caiba facilmente em muitos deles.


A atribuição de diagnósticos torna-se uma prática corrente quando as muitas possibilidades de se experimentar a existência passam a ser tipificadas como suspeitas ou desviantes. O que acontece então é que a intervenção diagnóstica recai sobre as subjetividades, sem que o contexto no qual tais manifestações são produzidas venha a ser sequer questionado.


Há muito em jogo! Primeiro, a individualização em massa de uma produção que é também de ordem social e coletiva. Segundo, a reprodução de uma espécie de falta de imaginação clínica, que faz com que o diagnóstico torne-se o único dispositivo capaz de nomear o que há de indeterminado na experiência, desconsiderando uma vastidão de nuances, afecções e linhas de fuga para cristalizar-se sob o nome de uma forma já dada.


A atitude de suposto zelo, que atua em nome de uma intervenção precoce, não se trata de outra coisa, senão da disponibilidade para olharmos e interagirmos com os sujeitos e seus modos singulares de se relacionarem no mundo. Assim sendo, como chegamos ao ponto onde apostamos com tanto gosto em um discurso tão único e unificante?


Uma possível hipótese nos remete à ideia de que o diagnóstico, ao dar nome a um sofrimento, acaba por produzir sensação de alívio e pertencimento. Sob sua guarda, sentimos que finalmente fomos ouvidos e compreendidos, embora isso não aconteça sem importantes efeitos colaterais.


Em tempos em que se defende práticas de inclusão e de respeito às diferenças em geral, a adesão massiva a um nome-diagnóstico parece produzir uma série de efeitos reversos, na medida em que agrupa as experiências por sintoma e semelhança - ao invés de afirmá-las como maneiras singulares e transitórias de estarmos e nos relacionarmos com o mundo.


Em outras palavras, o que um diagnóstico faz é agrupar, homogeneizar e direcionar aquilo que seria da ordem da diferença e da singularidade, revelando nosso desejo quase inconfessável por semelhança e categorização, o que sustentaria a adesão aos diagnósticos como uma nova modalidade identitária.


Sabemos, no entanto, que o desejo não é outra coisa senão movimento, e que nem sempre aquilo que julgamos desejar corresponde ao que de fato desejamos. Resta-nos, então, a possibilidade de sermos um tanto mais inventivos, investindo em encontros mais plurais e dissonantes, onde os nomes para os afetos que nos acometem - sejam eles diagnósticos ou não - possam ser apenas nomes de passagem.

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