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O legado modernista: a primazia dos pés!

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 17 de fev. de 2022
  • 3 min de leitura

Atualizado: 21 de fev. de 2022


Sob o guarda chuva do grande movimento que começou na Europa, encontramos variadas manifestações políticas e culturais que, em linhas gerais, questionavam os modos tradicionais de viver, pensar e de se fazer arte. Passado um século da semana de 22, ícone do movimento modernista por aqui, o que nos interessa é pensar sobre o seu legado hoje!


imagem: Tarsila do Amaral



Ante à supremacia da racionalidade, a afirmação de um inconsciente produtivo; frente à arte canônica e figurativa, as experimentações surrealistas; diante da ideia hegemônica de arte como representação do real, o contrário: um fazer artístico criador de real, por seus próprios termos. Em suma: pura implosão!


Havia no movimento, desde o início, o embrião da destruição, sem o qual nada de novo pode ser criado. Daí, que o principal legado modernista para nós, não está exatamente em conhecer suas fases, obras ou principais nomes, mas em entender seu modo de operar, empreendendo um processo de destruição criativa, que vinha de dentro.

No Brasil, uma das grandes forças da criação modernista foi a proposição de alternativas à influência europeia hegemônica sobre as artes, a arquitetura, as roupas e modos de vida tupiniquins.


A grande sacada aqui, não foi simplesmente negar o que vinha de fora, mas investir em um movimento de apropriação destas tantas inspirações, para criar algo próprio e original, não um mero decalque da arte já (re)conhecida e autenticada.


Se, naquele contexto, tratava-se de estabelecer algo como uma identidade nacional coesa e bem marcada, que tomasse como ponto de partida os elementos locais, agora, o legado modernista recai sobre o questionamento da própria noção de identidade e de nacionalismo, como elementos cambiantes e inapreensíveis.


Trata-se então de afirmar a força de um pensamento decolonial, não apenas na arte, mas no modo como esta se compõe com a própria vida. Emergem saberes múltiplos, constituídos por diferentes povos originários e de matriz africana, atravessados também por questões de gênero, raça, classe, além das temáticas ecológicas e interespecíficas.


O legado do movimento modernista, canonizado pela figura do Abaporu - o homem que come gente, em guarani - só pode ser a afirmação de sua própria impermanência, já que em primeira instância, fala do humano como um devorador de si.


O Abaporu, homem dos pés agigantados e descalços, nos provoca a ativar saberes que vem da terra e do corpo, sobre a intelectualidade formalista e hermética da tradição secular. Ao apresentar esta inusitada (des)proporção da figura humana, a obra de Tarsila do Amaral subverte muitos dos cânones cultivados como pressupostos de verdade pelos últimos dois mil anos, como os binômios europa-américa, razão-emoção, rosto-corpo, homem-mulher - cabeça-pés, sempre os primeiros sobre os segundos.


Se há um legado modernista que hoje se atualiza e nos interessa, este já não diz somente de uma arte que se apresenta por si mesma, sem a pretensão de representar reais, mas principalmente diz respeito à vida que se reinventa em ato.


Tal arte, assim como a vida, emergem do corpo, do chão, do desejo de se afirmar, deslocando-se da ideia de ser mero enquadre ou ilustração de um movimento pré estruturado e anterior a suas manifestações.


Se há um legado modernista hoje, ele está nas artes menores e experimentais, da literatura de margem à toda espécie de anti cânone, das manifestações que precisam existir por força da necessidade e na confiança que se estabelece com os saberes constituídos no decorrer do processo. Pura primazia dos pés!



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© 2022 Marta Picchioni

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