O que está em jogo quando escolhemos uma escola para nossos filhos?
- Marta Picchioni
- 26 de nov. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 18 de mar. de 2021
Nos dias de hoje, em que passamos a controlar a possibilidade de gerar filhos, o fato de tê-los tornou-se uma escolha, o que implica em uma realidade social e familiar completamente diferente de tempos atrás.

Com menos crianças por família e imersos numa sociedade de consumo, a educação escolar tornou-se um produto valioso, diante do qual espera-se um retorno mensurável sobre o investimento, seja em forma de limiares de felicidade, seja pela promessa de uma vida bem sucedida no futuro, ainda que esta demanda não esteja formulada de modo explícito. Somado a isto, escuta-se em todo o canto, que a educação escolar é a grande salvação para todo tipo de mazela social e peça chave para impulsionar o crescimento econômico do país, o que torna o contexto ainda mais pleno de múltiplas variáveis.
Como se vê, paira sobre o universo da educação escolar uma série de expectativas, das quais muitas ela não pode entregar, mais ainda quando falamos de uma escola voltada à infância, que compreende os segmentos da educação infantil e das série iniciais do ensino fundamental.
Como tantos outros campos, também os discursos que cercam a educação foram capturados pela lógica do consumo, o que, somado ao momento de separar-se do universo familiar, em muitos casos pela primeira vez, acaba por gerar intensa angústia e preocupação por parte das famílias, quando se vêem diante de uma escolha que consideram tão fundamental quanto decisiva.
De largada, será preciso desconstruir algumas dessas expectativas. Pois, a educação escolar, ao contrário do que muitos afirmam, não pode oferecer a garantia de um futuro promissor. Tudo que ela pode fazer é investir sobre o tempo presente, criando, a partir das relações cotidianas, uma ambiência de aprendizagem instigante e relevante.
Assim, uma boa dica para escolher uma escola para nossos filhos é manter os pés no chão e orientar-se, menos por nossas expectativas em relação ao futuro, e mais para as necessidades de uma criança no tempo presente.
Do que precisa uma criança? - esta deve ser a pergunta norteadora.
Fundamentalmente, elas precisam de um ambiente seguro e acolhedor, que seja rico em possibilidades de experimentação. Um ambiente que lhe promova a confiança necessária para explorar o mundo e as potencialidades do próprio corpo, da múltiplas linguagens e das relações com os outros.
A linguagem fundamental da primeira infância é o brincar. Será por meio dela que as outras formas de comunicação e expressão - a linguagem oral e escrita, as artes, os movimentos, o pensamento matemático e o científico - se desenvolverão. Portanto, estar em um ambiente que considere essa premissa, se possível em contato com elementos da natureza como água, terra e plantas, com outras crianças e com adultos atenciosos, já garante, por si só, que muitas interações importantes e estruturantes aconteçam.
Para brincar é preciso poder explorar livremente as possibilidades de cada lugar ou material, ter tempo para experimentar o entorno sem orientar-se pela lógica da produtividade, poder misturar e separar, interagir, melecar e se sujar.
Muito importante também, uma boa escola pensada para crianças não as trata de forma infantilizada ou inferior àquilo que elas podem - por exemplo, com preocupações excessivas com a ordem, a limpeza e empregando o diminutivo quando se dirige à elas: o lanchinho, a historinha, a rodinha. A criança deve ser tratada como um ser inteligente e, aqui, vale afirmar que a afetividade do adulto não se mede pelo rebaixamento no uso da linguagem.
Preocupações com o vestibular, as altas tecnologias, as línguas estrangeiras, o mundo maker, podem se apresentar como questões em outros momentos da escolarização, pois as necessidades não são estáticas e também se modificam conforme crescemos e nos transformamos. No entanto, queimar etapas não é indicado: tudo a seu tempo. Vale lembrar que o critério orientador para que uma boa escolha seja feita é a necessidade da criança e não nossas expectativas sobre seu futuro ou a adesão espontânea às necessidades desnecessárias.
Escolher uma escola levando em conta sua grife é outro problema. Muitas escolas com “nome forte” no mercado praticam uma lógica exclusivista no momento de aceitar um novo aluno, seja pelas altas mensalidades cobradas, seja pelas práticas de seleção adotadas. Tais critérios não contribuem para a formação plural e diversa de seus estudantes, por mais que estes sejam valores muitas vezes defendidos nos discursos institucionais.
Em um contexto social em que fala-se tanto sobre a importância de transitar entre os diversos grupos e espaços, saber conviver com as diferenças e respeitá-las é um fator importante, assim como buscar um mínimo de coerência entre discurso e prática. Nem sempre uma escola de grife é a que melhor atende às necessidades das crianças.
Os apelos a uma educação global, multilíngue, engajada, sustentável, orientada pela aprendizagem, pelo estudo por projetos e vivências em viagens de estudo parecem ser critérios diferenciais, mas é bom lembrar: nem tudo que é dito se traduz em ação e, muitas vezes, diante de uma vasta oferta, nem tudo converge às reais necessidades de uma criança, de um estudante.
Sabemos que a educação escolar é hoje parte fundamental da vida de crianças e jovens no que se refere à aprendizagem, mas é bom ter em mente que não é a única maneira de inserção na vida social. Frequentar outros espaços da cidade, como parques, praças e museus; estar em família e com amigos, ter tempo para não fazer nada, também são referências importantes que não devemos perder de vista.
Ao escolher uma escola é preciso focar naquilo que a educação escolar tem de único e fundamental para oferecer: um ambiente de aprendizagem rico em possibilidades de exploração e linguagens, a partir de relações múltiplas com o conhecimento, com os pares e com os professores. Garantias de futuro, rede de relacionamentos, solução para problemas sociais e sucesso na vida adulta continuam a ser expectativas procuradas, mas talvez bastante idealizadas do que pode e deve oferecer uma boa escola.
Por fim, escolher uma escola significa apostar em um certo projeto educativo. Depois de feita a escolha, é preciso que se construa uma relação de parceria e confiança entre todos os envolvidos. Não se deve trocar de escola diante da primeira divergência ou do primeiro descontentamento. Dialogar e sustentar períodos de dúvida ou incerteza também faz parte do pacote, afinal, em educação, trata-se sempre de uma aposta e da disponibilidade para construir, diariamente, uma relação de composição entre seus múltiplos agentes.
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