Por que as coisas sempre acontecem onde nunca estou?
- Marta Picchioni

- 3 de jul. de 2023
- 2 min de leitura
A pergunta, que atordoa a cabeça de tanta gente, fala sobre da sensação de que o mundo gira mais rápido e melhor onde não nos encontramos, e parece dar cheiro e gosto à atmosfera dos nossos tempos. Imersos neste ar, meio rarefeito, meio melancólico, acabamos surpreendidos - e consumidos - pela sensação de que pouco importa o quanto corremos em círculos e atrás dos próprios rabos, tal movimento sempre será uma vã tentativa de nos mantermos em dia com a velocidade dos acontecimentos.

É neste descompasso, entre a velocidade dos passos e a miragem de uma linha de chegada, que se instaura a conhecida sensação de que estamos em dívida, em falta ou em atraso com a existência. Afinal, se nada do que fazemos parece ser bom o bastante, estaríamos fadados a ficar de fora da festa?
Para começar, é sempre bom retomar a diferença entre um acontecimento e o valor de troca atribuído às suas imagens. Enquanto o primeiro refere-se àquilo que efetivamente nos atravessa e nos mobiliza, sem pedir licença - pois o acontecimento já é - suas imagens, amplamente veiculadas pelos dizíveis e visíveis que circulam nas redes sociais, são como o congelamento de um instante vivido, tornando marca o que um dia foi pura passagem.
Tomar imagens - mais ou menos editadas - como acontecimentos, reforça a falsa ideia de que tudo acontece exatamente onde não estamos, quando, de fato, a vida não para de acontecer exatamente agora, seja qual for o lugar onde nos encontremos.
Para reconhecer um acontecimento, no entanto, é preciso ir além da primeira ou segunda camadas, investindo em nossa capacidade de afetar e sermos afetados por aquilo que já nos atravessa, seja uma sensação, um desejo, uma repulsa ou mesmo um ímpeto de ir em direção a.
Neste movimento de desaceleração, acabamos por questionar também a tendência em separar dentro e fora, como instâncias absolutamente distantes e distintas uma da outra. Pois, no acontecimento, o fora já está dentro e o dentro torna-se, antes, um efeito das relações de troca estabelecidas desde sempre com o fora, como numa fita de moebius que tem sua dupla face imediatamente apontada pra fora e pra dentro, sem necessidade de tradução ou de mediação por imagem.
Aqui, a preocupação de “estar perdendo alguma coisa”, inalcançável por natureza, revela-se um falso problema, assim como a corrida contra o tempo perdido mostra-se uma falsa resposta. Não há nada fora que já não esteja dentro, nem tampouco um tempo passado que já não tenhamos vivido.
A questão que se coloca é, então, de outra ordem: estamos a nos conectar de fato com aquilo que nos acontece, ou a vida passou a girar em torno das imagens que sustentam a existência de seu feed de notícias?
Aqui sim, a velha pergunta se renova, ganhando corpo e consistência, na medida em que o deslocamento de nosso olhar, da vida para as imagens da vida, é questão da mais alta urgência e relevância.






Adorei todos seus comentários sobre a vida! Concordo com tudo! Para vc é fácil escrever a realidade! Parabéns! Sempre gostei do seu perfil realista e objetivo! Bjs da sua admiradora!