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Prefiro não! entre o burnout e o quiet quitting

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 6 de set. de 2022
  • 3 min de leitura

Quiet quitting. O nome em inglês, traduzido por aqui como desistência silenciosa, guarda múltiplas camadas de sentido e enunciação. Fala à tendência, observada principalmente entre as novas gerações, de delimitar espaços bem marcados em relação à vida fora e dentro do trabalho, onde ainda reinam os códigos naturalizados que tem como mote os lemas do “vestir a camisa” e “agir como dono”.


imagem: Javier Zabala


A indisponibilidade para atender a demandas fora do escopo acordado tem causado estranhamento às hierarquias organizacionais na medida em que os adeptos do movimento já não aderem à cultura pautada pela relação entre esforço e recompensa.


O discurso sobre ser alguém na vida, esforçar-se pelo caminho para, lá na frente, colher os frutos já não ressoa nos jovens que adentram a vida profissional, de modo que a imposição de limites bem definidos se contrapõe à cultura permissiva que segue produzindo uma profusão de diagnósticos de esgotamento ou burnout, a patologia que acomete aqueles que se deixam tragar pelas demandas excessivas do trabalho.


Recém chegados à cultura organizacional, os jovens questionam o que a velha guarda sempre deu por certo: afinal, valeria a pena dedicar seus melhores anos ao trabalho desmedido deixando de lado outras esferas da vida para, no final, envelhecer sem saúde, energia e, quiçá, uma boa aposentadoria?


Se para as gerações anteriores a equação entre esforço e sucesso encontrava solo favorável para se cumprir, para os recém chegados, a promessa de alcançar o pote de ouro após anos de dedicação exclusiva mostra sinais de esgotamento. Não só porque o tempo em que vivemos já não cumpre com as promessas de outrora, como pelo fato de que, para os mais jovens, o valor da vida talvez já não esteja em um futuro intangível, mas na possibilidade de (bem) vivê-la no tempo presente.


Impossível não nos lembrarmos de Bartleby! O personagem criado por Herman Melville é aquele que, diante de um comando, convite, ou mesmo pedido de seu chefe, lança mão da máxima: Prefiro não. E ao dizê-lo, Bartleby não apenas nomeia, como sustenta seu desejo de não tomar parte do já estabelecido, não tanto por um ato de coragem, como pela real impossibilidade de seguir códigos e realizar tarefas que lhe parecem tão sem sentido.


Sua postura incomum, no entanto, produz reações perturbadoras em seus interlocutores, que diante de suas negativas sentem raiva, espanto e indignação. A desobediência aos códigos de conduta implícitos altera por completo as regras do jogo, desestabilizando o campo da boa convivência e das respostas entendidas como possíveis, em um mundo orientado pela lógica do comando e da obediência.


Ao flertar com a vontade de nada e o nada de vontade, Bartleby se afirma na trilha dos que não se preocupam em agradar ninguém e, se todos ali respondem às demandas de sempre e sem grandes questões, quem ele pensa que é para ousar não atendê-las?


O interessante do movimento quiet quitting, no entanto, é que ele já não diz respeito à postura dissonante de um ou outro indivíduo, já que se afirma como questão de toda uma geração. Aqui já não basta individualizar o fenômeno, criando um novo nome ou diagnóstico para que tudo volte à normalidade e o mais breve possível. Será preciso que empresas e demais organizações se impliquem no campo dos acontecimentos, aproveitando-os para rever seus modelos de funcionamento, reproduzidos por décadas, ainda que não sem custos.


A implicação institucional torna-se parte necessária para que possamos abrir novos caminhos que nos permitam criar horizontes existenciais para além do já-dado-aí.

Que outros universos de referências inventaremos depois de não nos contentarmos com as possibilidades que nos foram apresentadas como as únicas viáveis? Que outros interesses, investimentos e contribuições podemos dar e extrair da vida, para além do que se refere ao “mundo do trabalho”?


Ao parar de copiar o que lhe mandam, Bartleby abre o campo para a produção de escritas mais autorais que nos ajudem a criar outros modos de ver e de viver no mundo e no trabalho. Eis aí a atualidade do movimento que faz do Não uma força e um meio necessários para que outras maneiras de nos relacionar com a vida possam ser cogitadas.


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© 2022 Marta Picchioni

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