Professor Polvo: um documentário para repensar e inspirar
- Marta Picchioni
- 25 de out. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 15 de mar. de 2021
Um documentarista experiente. Cansado de seu ofício de documentar, narrar e editar, ele está estressado. Seu relato nos deixa perceber que, enquanto se distancia de suas paixões, Craig Foster cada vez mais se aproxima de uma lógica dominante no mundo do trabalho: aquela que vê como prioritários performance e resultado.

Imagem: geekness.com.br
Ele deve produzir. Filmar e entregar, cumprir prazos e cronogramas que pedem velocidade e antecipação. A roda precisa girar e é daí que nascem a fadiga, o cansaço e a vontade de desistir.
Afastado do trabalho, observamos como o protagonista se reinventa. Não em outra atividade, como poderíamos supor, mas justamente no mesmo ofício de documentarista de que havia se afastado. Desta vez, porém, consegue criar uma renovada relação com o que se revela seu novo objeto de interesse: uma floresta aquática que existe praticamente no quintal de sua casa, na África do Sul, e que abriga inúmeras e belíssimas formas de vida.
O problema, logo constatamos, não estava nas ações envolvidas no processo de documentar, mas na relação de produção em série que veio a constituir com o trabalho. Assim, é somente quando se afasta desse universo que consegue instaurar, outra vez, uma relação de encontro e presença com o mundo que se abre diante de si. Sem pressa ou urgência, cada coisa em seu devido tempo.
Neste plano de encontro e de acontecimento, conseguimos estabelecer muitas conexões com o universo da educação. A começar pelo fato de que será ele, o experiente documentarista, a ocupar o lugar de aprendiz, tendo a floresta submarina como cenário e um polvo, o outro protagonista da cena, como seu professor. A lógica entre ensino e aprendizagem se subverte por completo e testemunhamos um jogo de corpos que se estabelece entre um e outro, homem e polvo, ambiente controlado e o mundo em estado de natureza.
O documentário altera tudo aquilo que damos por certo, não apenas no que refere ao ensino e à aprendizagem, mas também sobre o que entendemos como saber. Ali, é o polvo quem sabe sobre o ambiente, como também o que deve ou não fazer para se adaptar às diversas circunstâncias, mais ou menos adversas.
Junto ao percurso de ambos, somos levados a questionar muitos dos cânones inventados por nossa civilização, como a ideia de superioridade da civilização humana em relação à natureza, o conceito do que seria uma vida inteligente e a ideia de que as situações de ensino e aprendizagem só podem se dar a partir de determinadas circunstâncias, atravessadas pelo planejamento antecipado e pela medição constante daquilo que foi apreendido. Colocamos em xeque, portanto, muitas das relações de produtividade que fazem parte do mundo do trabalho e, em grande parte, também da educação.
O professor polvo nos convida a repensar toda essa lógica e a estender as dimensões do tempo e do espaço para muito além do que nos habituamos a concebê-los. Ali fica clara a premissa de que o mundo, em toda sua grandeza, é a verdadeira “sala de aula” e sobre ela não temos o controle que tanto almejamos. A partir daí as perspectivas se ampliam em largura e profundidade.
Ao acompanhar a trajetória do polvo, pelas lentes do homem, somos convidados a nos aquietar, baixar a guarda e a apreciar os ciclos de vida de um outro universo, onde os estrangeiros somos nós. Lá, o silêncio e a pausa são necessários para que possamos nos aproximar minimamente dos sinais e códigos que ligam todo um ecossistema que, tal como a vida do povo, também é cíclico.
As íntimas relações que se passam entre vida e morte deixam claro que para algo de novo possa germinar é preciso, necessariamente, que o estado anterior deixe de existir, algo que o professor polvo sabe desde que nasceu. Ali, é a continuidade de um fluxo que está em questão.
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