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Quando o barco afundar, que futuros seremos capazes de inventar?

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 8 de mar. de 2023
  • 2 min de leitura

Atualizado: 28 de mar. de 2023

Triângulo da tristeza. O nome do filme rapidamente se revela como uma referencia às marcas de certas linhas de expressão que, caso forçadas em excesso, nos dariam um aspecto indesejável e permanente de tristeza.



Caras, bocas e muitas poses. É assim que adentramos numa atmosfera performática, onde tristezas ou alegrias são, antes, atos encenados, que afecções reais. Mas, para além dessa menção inicial, chama a atenção a ideia de triângulo.


A forma geométrica, composta de três arestas interligadas, organiza o filme em três partes, funcionando quase como um HaiKai às avessas - o micro poema de origem japonesa composto por três versos capazes de conectar, de modo sintético, certas causas a seus efeitos, na natureza e em nós.


Logo na primeira, o foco recai sobre um casal de modelos e sua crescente tensão em torno das relações entre dinheiro e gênero. Afinal, quem deve pagar a conta: a mulher que ganha mais ou o homem que pretende conquistá-la?


A questão envolvendo dinheiro e poder ganhará consistência na segunda parte, quando embarcamos com o casal num cruzeiro de luxo, e o triângulo quase atinge seu vértice! O que vemos, então, são comandantes sem força de comando, sucumbindo a um escapismo regado a álcool em um universo onde quem dá as cartas é o capricho dos bem capitalizados.


Se na primeira parte, o exercício do poder estava em disputa e sob tensão, aqui não há mais dúvidas: ele explode em meio a um duelo retórico entre um comandante americano com ideias socialistas e um empresário russo amante do capital. As citações ilustradas de um e de outro, no entanto, de nada servem para impedir que a força das águas e das entranhas humanas, jorrem sob forma de vômitos e diarreias, inundando a bela embarcação e fazndo com que todo o dinheiro sucumba em pura merda - talvez, o único modo de experimentarmos a reiterada igualdade, salpicada boa parte do filme em tons neon.


Por fim, na terceira e última parte, chegamos com os poucos sobreviventes do desastre escatológico a uma ilha deserta. Aqui, a moeda de troca se inverte e o dinheiro perde valor para as habilidades de sobrevivência. Não por acaso, será Abigail, a ex-chefe das camareiras quem assumirá não só o posto de comando, como o domínio sexual sobre os machos mais jovens e sobre a comida.


Ainda que o dinheiro já não dê as cartas, a estrutura de poder, pautada pelo comando e obediência, se mantém intacta em seu matriarcado, minando nossas ingênuas esperanças sobre a suposta benevolência de um reinado feminino.


O triângulo, então, quase se fecha quando Yaya, a bela modelo que nos guia desde o primeiro vértice, encontra um improvável elevador no meio da ilha deserta. Afinal, a “civilização”, materializada sob a forma de um resort de luxo, estava ali o tempo todo!


Corta.


Caberá a nós, expectadores, imaginarmos se a nova tirana abrirá mão de seus privilégios recém conquistados, para voltar à velha ordem ou, se fará o que for preciso para se manter no topo, encarnando a redundância de uma tristeza humana, demasiadamente, humana...


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© 2022 Marta Picchioni

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