top of page
Buscar

Ser professor, um ofício de todos os dias

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 21 de out. de 2021
  • 4 min de leitura

O papel da educação é subverter as regras

Jorge Larrosa



O que pode um professor senão aquilo que emerge como efeito de sua prática de todos os dias? Assim, ao se movimentar entre verbos e substantivos, nós, professores, também transitamos entre as ações que nos constituem e alargam os limites de nossa atuação e os estados que nos dão morada e nos acomodam.


imagem: Rafael Arno Minkkinen



De fato, ser professor - ou tornar-se um - é algo da ordem das práticas de vida: fazeres menores e minoritários que exigem disponibilidade para estar junto, fazer deriva em alto mar e contar com o saber de nossos corpos como guia de navegação.


São poucos os que não se comovem quando se trata de celebrar este ofício, embora tais comoções não se convertam necessariamente em investimentos de ordem prática. Ainda assim, e sabendo que muitos de nós trabalham em condições precárias, penso que seja necessário superar os discursos heroicos ou vitimistas em torno da profissão para que possamos, aí sim, afirmar nossos fazeres como vetores potenciais em um campo de forças legítimo e desejante.


Sim, é preciso superar a figura desvitalizada de um professor que, ao modo do camelo, carrega o peso do mundo nas costas reproduzindo uma vida triste por onde passa, porque assujeitada a todo um fazer educativo protocolar. Dizer não, como faz o leão de Nietzsche e, assim, abrir campo em nome da vida, para tecer redes, criar alianças e produzir uma ética dos bons encontros - aqueles que se comprometem com a produção de diferenças e afirmam uma ética da docência.


Mais do que nunca, precisamos sustentar as boas perguntas. Por quais caminhos temos andado e em quais velocidades? Qual a qualidade das águas em que nos dispomos a navegar?

É interessante que possamos apostar - e semear - solos que nos sustentem, ao alimentar práticas inventivas e brincantes. Superar o modo camelo para que, enfim, possamos devir criança, tal como nos ensina Nietzsche, ainda que sem nenhuma pretensão didática ou pedagógica. Trata-se da aposta em um fazer intensivo e intempestivo, uma metodologia de vida.

Em tempos em que todos se ocupam - e se pré-ocupam com A Educação, como se esta fosse uma via de sentido único - a mesma para todos e em dosagem padrão - é preciso nos questionar: de que educação nos ocupamos?


De uma dedicada a se adaptar às muitas demandas que chegam de variados lugares e pautada por uma certa leitura do que nos pediria o mundo por vir, ou outra, tecida pelos fazeres que emergem de cada relação e que tomam os acontecimentos como ponto de partida?


Uma reativa, outra ativa. Uma explicativa, outra que nos exige uma implicação radical. Uma reprodutiva, outra cartográfica. Uma ou outra, uma e outra.


Para que a educação alcance seu potencial ativo e criador, é preciso dar passagem aos caminhos enquanto eles acontecem. Cultivar o espírito de aventura disposto a embarcar em viagens ainda não trilhadas, inventar um plano onde os bons encontros sirvam de solo para que as boas práticas se materializem. Em quais águas vamos navegar e em quais solos vale a pena ancorar?


Alinhavar uma educação ativa e inventiva é sempre uma tarefa menor e feita à mão - ainda que tal tessitura seja uma tarefa compartilhada pelas muitas mãos que dela se encarregam. Aprender a escutar os germens que emergem dos corpos e do chão da escola.


Que possamos dialogar com os especialistas e teóricos da educação, desde de que tais saberes não atuem como chancela para nossas práticas cotidianas. Um fazer educativo ativo não emerge de outro lugar, senão dos saberes que emanam dos corpos implicados com seu próprio acontecer.


É o desejo de aprender que movimenta e produz caminhos em direção a uma educação de excelência. Há um farejar próprio a este fazer que é, justamente, onde pulsa seu coração.


Em que solo-escola nos encontramos? Em uma que sustente nossas práticas inventivas ou uma que nos quer como meros aplicadores de trajetos pré fabricados, como se a aventura do conhecimento se assemelhasse a de um pacote turístico?


A tarefa aqui é de outra ordem: cavar hiatos, atrasar relógios, produzir fissuras, arranhar as estruturas para que algo de inédito possa brotar. Tal postura é ética e se distancia de um fazer reprodutivo, que torna a escola um decalque sem graça do que dela se espera.

Para subverter as regras, como diz Larrosa, é preciso cultivar certo grau de insubordinação. Ser um professor que não adere ao que dele se espera e que estabelece alianças com aquilo que pulsa. Os relatórios, a educação de gabinete, os planejamentos prévios - que só fazem adormecer o que vibra em cada corpo e em cada grupo - tudo isso pode esperar.


A urgência é de outra ordem e ser professor é praticar um ofício talhado na tensão de cada encontro e comprometido com a produção de diferença - não de padrão. Para que novos mundos possam se anunciar é preciso tornar-se um agente de mudanças: aquele que cartografa caminhos e, ao fazê-lo, fabrica um contra currículo, uma contra pedagogia.


Insuflar o fogo que emana de baixo.


Que sejamos professores capazes de sustentar o tempo necessário à deriva, navegando sobre correntezas diversas e aprendendo a tomar nossos corpos como guias.



Comments


© 2022 Marta Picchioni

bottom of page