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Sobre guerras de almofadas e os abraços que (ainda) não pudemos dar

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 12 de ago. de 2021
  • 3 min de leitura

Esta semana, muitos estudantes voltaram ao ensino presencial, após mais de um ano convivendo e aprendendo via modelo remoto. A euforia esteve no ar, e também, certa dose de resistência com os rituais comuns à vida escolar, como voltar a acordar cedo, usar uniformes e conviver com colegas e professores por 4 ou 5 horas ininterruptas e sem a possibilidade de desligar as câmeras.



Se o ensino remoto foi, em muitos casos, o fio que permitiu dar sequência aos fazeres escolares, à convivência com o grupo e às amizades, ele também relativizou muitas das regras tácitas de convívio escolar, como as acima mencionadas. Neste contexto, ao mesmo tempo em que a volta ao presencial requer que se faça um novo contrato junto aos estudantes, é preciso que nos detenhamos mais demoradamente na experiência remota: afinal, o que se deu ali?


Talvez o uso dos termos volta ou retorno - ao ensino presencial - não seja uma boa escolha, já que o que vivemos foi bem mais que um breve intervalo circunstancial, mas um desvio coletivo nos modos como conduzíamos nossos modos de vida.


Daí que afirmar a existência desse “desvio” planetário implica em dizer que não podemos pensá-lo apenas pelo registro do passado e da falta - o que deixamos de fazer ou de aprender neste tempo. Tudo isso ainda esta aí, aqui e circula: é de uma produtividade ativa que falamos.


Sendo assim, é preciso reconhecer que tal desvio produziu e produz acontecimento e diferença em cada um de nós e em nossos modos de fazer, de maneira que talvez nos caiba sustentar por mais tempo a seguinte questão: que tipo de consistência e de novos modos de nos compor com o presente pudemos experimentar a partir das contingências em jogo?


Tomar a experiência como acontecimento é fundamental para entendê-la como ponto de partida e, assim, darmos continuidade aos processos em curso. Não um retorno ou uma ruptura, mas um continuum.

Como estão esses estudantes hoje e como se compuseram diante de tudo o que viveram?Sabemos que a experiência de aprendizagem e convívio pelo modo virtual trouxe uma série de destrezas dessa natureza e instaurou um tipo de relação entre pares mediada pela virtualidade do corpo. Agora os desafios serão outros, atravessados pela busca de novos modos de estar na escola, ainda observando os protocolos de distanciamento social.


Como estar junto sem romper as fronteiras de biosegurança? Como, no calor de uma brincadeira permeada por vários graus de intensidade, manter-se atento aos limites dos protocolos estipulados? Não são desafios menores.


Nesta breve semana, marcada pelo dia do estudante e dedicada ao “retorno”, tive notícias de crianças que, longe do olhar dos adultos - sempre eles - deram início a uma guerra de almofadas, episódio vivido como brincadeira por alguns e como uma provocação agressiva por outros.


A guerra de almofadas pode ser vista sob muitas e variadas perspectivas, revelando que os mais novos também têm buscado maneiras de estabelecer contato físico, ainda que seja preciso manter o distanciamento social. Como fazer um convite à aproximação dos corpos distinguindo a sutileza de limiares que se interpõem entre uma brincadeira e a sensação de ser invasivo - ou invadido - pelo outro?


Este parece ser um ponto importante para se ter no radar, assim como a retomada de uma certa espontaneidade no convívio presencial, já que uma das marcas deixadas pela pandemia - que provavelmente nos acompanhará por um bom tempo - é o fato da aproximação com o outro ser experimentada como ameaça potencial à vida.


Assim, muito além do foco na presumida perda de conteúdos conceituais, é preciso investir nas habilidades para um novo modo de convívio, onde os corpos ganhem outros contornos e talvez as almofadas possam se tornar extensões de nós mesmos.


Diante de uma guerra de almofadas às escondidas, é importante que não nos fixemos na primeira camada de leitura: a da agressividade gratuita e da falta de respeito às regras estipuladas. É preciso compreender a ambivalência do momento presente, que nos apresenta as almofadas como flechas biônicas: verdadeiros vetores dos abraços e apertões que (ainda) não pudemos dar - o que não significa que tenhamos encontrado logo de cara uma boa medida para a expressão de nossos afetos.


Assim, para além da perspectiva da perda e da falta, é preciso que nos perguntemos: o que se deu conosco do decorrer da pandemia? O que fizemos? O que aprendemos? Que tipo de afetos pudemos experimentar?


Um novo tempo nos convoca a viver as relações também de outras maneiras, exigindo outros modos de agir e pensar os encontros. Assim, investir na pesquisa sobre o uso dos corpos apresenta-se como tarefa primordial, de modo que a afirmação das experiências vividas torne possível a abertura de um campo sempre em devir.


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© 2022 Marta Picchioni

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