Um menino, uma arma, uma escola
- Marta Picchioni
- 30 de nov. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 28 de mar. de 2023
Ainda que o enredo se repita, a cena é sempre singular. É sempre sobre vidas e mortes de pessoas únicas e insubstituíveis. Dessa vez, o menino de 16 anos invade a escola onde um dia também estudou, e caminha certeiro em direção à sala dos professores. Lá, armado de corpo e alma, plano e técnica, descarrega sua arma. Não satisfeito, ele segue para outra escola, a poucos metros da primeira, onde continua atirando em quem cruza seu caminho, dessa vez, estudantes.

imagem: Chris Madden
Para além de nosso choque inicial com o enredo comum aos filmes de terror, e aparentemente tão distante de nossa realidade; para além do anseio pelas providências legais e jurídicas que o caso certamente pede, resta-nos encontrar um momento de pausa para escutar a ação que se repete como sintoma de um tempo.
Ao que parece, é justamente o tempo e o templo destinado às infâncias e às juventudes que tem sido o alvo sistemático desse tipo de ataque, orquestrado por quem vem de dentro - estudantes - que, em tese, encontrariam nesse espaço um lugar para desenvolver e expressar seus talentos em plena potência.
O que vemos são jovens que retornam às escolas onde estudam ou estudaram com o propósito claro de aniquilar as vidas que ali se encontram. Infelizmente, a cena não é a primeira e tudo indica que não será a última. A sobreposição da figura do jovem estudante com a do assassino de seus colegas e professores desconcerta, trazendo em si um alto grau de complexidade.
Ainda que a ação singular e desmedida deste jovem desperte em nós os piores afetos, é preciso ter em mente que também ele foi forjado e produzido por seu tempo e pela instituição que hoje, ele almeja destruir. Ainda que sua ação seja criminosa e injustificável é preciso refinarmos a escuta para o fenômeno crescente para o qual continuamos surdos e desprovidos de boas ferramentas de leitura e de possíveis intervenções.
Por que orquestrar um ataque à escola?
Por que fazer dos professores um alvo primordial?
Por que atirar contra colegas que poderiam ocupar o lugar de amigos?
Por que semear a morte no lugar onde simbólica e praticamente se cuida e protege as vidas?
Tais perguntas parecem passar despercebidas quando comparadas ao desejo de justiça e punição que nos toma pelas vísceras. Sem encará-las de frente, no entanto, será pouco provável que avancemos na compreensão do crescente desejo de desistência e de aniquilação que tem sido expresso de N maneiras pelas juventudes forjadas neste tempo.
Ainda que o desejo por punição e justiça seja legítimo, não é ele que nos ajudará a entender como e porque temos produzido, no cerne das instituições educativas, o desejo de aniquilar com o outro e com nós mesmos.
É urgente, portanto, que nos impliquemos a fundo com cada um desses tristes episódios em que jovens com a vida inteira pela frente optam por se armar e fazer da escola um lugar de morte e de acerto de contas.
Que vidas temos produzido por dentro das salas de aulas, nos pátios, nos intervalos e nas passagens invisíveis de banheiros e corredores? Que escuta temos promovido ao que corre pelas margens, nas relações laterais que se voltam para o centro e ressoam em tudo o que se passa nesta moderna instituição?
Aqui, já não se trata de explicar o ato buscando falhas ou faltas, erros ou culpados, mas de nos implicar em sua construção lenta e silenciosa, que tem as instituições de ensino como cenário recorrente.
Embora muito se fale da necessidade de que as crianças e os jovens reais ocupem o centro dos projetos educativos, vemos que tal premissa parece distante de nossas práticas cotidianas, talvez mais conectadas com um ideal de infância e de juventude, que se mostra distante do que temos visto na prática.
Um menino e uma escola aparecem como elementos fixos de um tempo onde a escuta que parte da experiência está por ser instaurada . Quanto às armas, que possam ser outras. Que ao invés de trocar tiros, possamos trocar saberes e linguagens. Que ao invés de carregar a munição, apostemos na força da criação coletiva e numa escola que se apresente como lugar de passagem aos desejos que precisam emergir. Que as armas nos sirvam para arejar muros e abrir caminhos, fazendo passar o novo, ao invés de interromper vidas e trajetórias.
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