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É criançando que a gente se inventa

  • Foto do escritor: Marta Picchioni
    Marta Picchioni
  • 17 de out. de 2022
  • 2 min de leitura

Como muitas palavras que compõem o nosso vocabulário, criança tem origem no latim e propõe uma junção curiosa entre o sufixo ança, e o verbo, criar. O primeiro, remete a palavras que trazem certa ideia de excesso, como festança, dança ou mesmo espera, quando tornada esperança. Depois, o verbo: criar. Ser criança como um modo criador de estar no mundo.



Imagem: Eugenia Loli


Manoel de Barros já o sabia. O poeta, conhecido pela criancice contínua, fez das brincadeiras com as palavras, ocasião para a criação de um novo idioma, nos lembrando que no brincar e na poesia, somos capazes de trazer ao mundo sentidos de fato inéditos.


Aqui não se trata de imitar ou de cultivar a vontade de pertencer a um mundo cujo os códigos já estão dados e devem ser aprendidos. O mais interessante é investir na possibilidade de realmente criar palavras e alvoradas. Na prática, até que é simples: cada ente que aqui vive, já pertence a este mundo e, assim, pode reinventá-lo a cada vez. Como diz Manoel: as árvores me começam. E que tipo de meio seremos capazes de trilhar?


Se estar criança remete a um ato de criação, a ideia de infância, ao contrário, diz daquele que ainda não é capaz de falar por si. Tremendo paradoxo termos inventado para as crianças uma infância que remete a um “ainda não”, como se fosse preciso um longo e árduo caminho para falar e ser ouvida.


Então, olhamos ao redor, a procura de pistas sobre como as crianças têm vivido suas infâncias. Há crianças-verbo e crianças-substantivo. Umas criançando, outras à espera da próxima atividade, do próximo passo, do próximo comando - e o mesmo com os adultos!

Outra vez Manoel, o cultivador de auroras. Ele e todos os que souberam cultivar sua capacidade de criançar, já que a criança que nos habita não obedece à lógica da linearidade cronológica.


Se há uma criança em nós é preciso descobrir em que modo ela se encontra. Somos uma criança congelada no tempo, esperando pelo desvelar de memórias longínquas ou nossa criança está bem aqui, lendo e produzindo mundo com o que tem à mão?


Criançar é a palavra, meio verbo, meio excesso. Meio descontentamento com as coreografias já ensaiadas em prol do exercício do improviso. Criançar é disposição para experimentar, chave para abrir canais de expressão e nos conectar ao que acontece no tempo presente.


No modo ação, nossa criança opera como continuidade e ruptura, partindo de um certo território já conhecido em direção a novos horizontes. Se criançando recriamos o mundo, é preciso ressignificar o lugar das tradições, já que o mundo, antes de ser apresentado e traduzido é, ele mesmo, vivido.


Ao escolhermos um dia e um mês para homenagear as crianças, não se trata de propor uma regressão coletiva, onde a criança que fomos retornaria para nos ensinar lições de vida. Ativar nossas potencialidades criativas é tarefa do agora: jogando com o corpo e com a idade que se tem.



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© 2022 Marta Picchioni

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